sexta-feira, 13 de junho de 2014

(Parte 1 de Diário de Caça) Começo do Arquivo



Bem isso deveria ser um simples diário, mas não é. Escrevo aqui sobre minha vida. Mas minha vida não é como de muitos por ai. Acreditem. Até tentei sair desse rumo, mas não consegui. Se é que posso chamar isso de rumo, sendo que me vi sendo empurrada para ele. Não funcionou. Sabe quando você diz que é mentira, o ocorrido é falso? Pois isso é o que sempre faço quando acordo.
Mas não é para poder me vangloriar do que aconteceu... Não nunca iria fazer isso. Quem o faz só pode ser um amador que nunca olha direito. Não enxergam o estrago causado por si, as pessoas que nem conhece. Assim como para seus entes queridos e amigos próximos. Lembrou-me de um caso em Washington. Você não imagina como aquela cidade é suja no que chamamos de periferia. Isso sem falar no meu tipo de sujeira. Pensando bem, às vezes acho que muitos dos tipos que encontro no meu “trabalho”, tem um jeito simpático. Se compararmos aos miseráveis que abusam dos inocentes nas grandes cidades, parece nada.
Então, por onde começar? Parece mais fácil falar do que fazer. Juro. Muitos só juntariam um monte de papéis e anotações, talvez recordes de jornais. Eu não. Prefiro algo mais verdadeiro. Simples mas eficaz. É o que aprendemos desde cedo. Nada de uma bagunça na casa alheia. Ou onde nossa busca nos leve.
Escrevi muito, mas não imaginam o que faço. Certo? Bem, devo primeiro me apresentar. Meu nome é Selina Queen. Sou uma mulher que atualmente tem 38 anos. Não tenho residência física. Na verdade viajo por boa parte dos Estados Unidos. Atualmente sozinha. Antigamente com alguns homens e mulheres com os mesmos ideais que os meus. Se isso pode ser chamado como uma ideologia. Conheci muitos como eu. Estranhos e até louco. Todos corajosos pelo menos. Já li certa vez (até mesmo nos quadrinhos do Homem-Aranha se me lembro bem), que a linha que divide o sábio do louco é tênue. E eu a atravessei.
Antes de tudo saibam que não vivi minha vida inteira assim.
Antes eu era Selina Queen, secretária de um dentista. Uma vida comum, um trabalho comum, um namorado comum e um irmão nada comum. Mas a gente não pode ter tudo na vida também. Mesmo assim, eu trocaria tudo que eu tenho agora por aquilo. Muitos pensam que possa ser exagero, que estou mentindo. Não meu amigo, estou sendo o máximo possível verdadeira. E nenhuma linha aqui será exagerada. Já será difícil você acreditar em mim sem ser assim. Imagine se eu viajasse no que escreverei a seguir.
Mas voltemos ao assunto...
Nasci em Seatle. Mas minha família se mudou, logo após eu nascer, para Nova Iorque. Deveria ser por conta de oportunidades de emprego. Bobagem não é? Cidade suja essa em que vivi até os meus vinte e cinco. Só que eu pensava “ei, é agora minha cidade suja!”. Coisa rara de uma pessoa pensar fazer, gostar da cidade.
Após os meus oito anos tive a primeira grande fatalidade da minha vida: meus pais morreram em um acidente de carro. Um caminhão surgiu do nada na contramão e os fez bater em uma árvore na rodovia I-78, quando voltavam de Nova Jersey. Meu pai dirigia. E ele que adorava beber, não tomou uma gota naquele dia. Pelo menos é isso que o exame toxicológico mostrou. Já o caminhoneiro não poderia dizer o mesmo. Estava tão alcoolizado que mal conseguiu levantar para ofender os policiais que o encontraram a meia-noite de um dia de abril. Comemorariam o aniversário de casamento.
Desde então vivemos com minha tia, Elizabeth. Uma velha chata que batia em mim e no meu irmão mais velho Sidney. Só que as coisas eram diferentes com o Sid. Sim, brigas épicas. Ah se eram...
Meu irmão era um herói. Mas não com capa e espada, como o que aparece naqueles filmes antigos que apareciam nos filmes em preto e branco. Muito menos como aquele escoteiro do Super Homem. Não, nem um pouco. Parecia mais com algo entre o Justiceiro e o Batman. E sim, sou uma ex-viciada em quadrinhos. Não tenho mais tempo para acompanhar as histórias. Adorava os escritos de Alan Moore e Neil Gaiman. Se bem que eu adorava os desenhos de Jim Lee. Homens musculosos e lindos como aqueles eram raros. Continuam. Sidney usava os quadrinhos e um walkman antigo de marca ??? para me fazer viajar com histórias da Vertigo e da Image. Enquanto ele se atracava com nossa tia em mais umas das famosas brigas dos Queen. ´
Tirando nossa tia, éramos felizes. E quando atingimos certa idade pudemos viver por conta própria. Saímos do bairro Bronx e fomos para Manhanttan. Evolução rápida e astronômica. Lindo, parecia quase um conto de fadas. O maninho era um gênio quando se tratava de negócios.
Só que muitas vezes nossa vida se torna uma pequena caixa de surpresas. E entre elas estava que meu irmão que havia conseguido um magnífico emprego na bolsa de valores perdeu tudo com a única coisa que nunca conseguiu vencer: seu vício por apostas. Gastava tudo em corridas de cavalo. Nunca odiei tanto esses animais. Na verdade, sempre odiei animais de qualquer espécie. Porém desde então eu tenho um ódio mortal por cavalos em especial. Se ao menos eu soubesse...
Bem, graças ao meu sábio irmão, tivemos que parar no lugar mais pobre em todo o Queens. Estávamos na nossa segunda crise após a morte de nossos pais e deixarmos a casa de nossa tia. Pouca grana, comida pouca. Não iríamos voltar a morar com ela, mas eu tinha que fazer algo. Comecei a mudar isso trabalhando como secretária. Como, nem eu me lembro, mas me lembro que menti minha idade. Afinal, não iriam querer contratar uma adolescente. Quantas vezes fugi do azar de ter alguém revelando minha idade no consultório. Amigos do colégio, ou quem sabe um parente. Namorados? Demorei a ter. Até um tempo antes do desastre.
Fui passando de emprego para emprego, mas sempre bem recomendada por todos os meus patrões. Nunca fiz nada do que uma moça possa se arrepender. E algo que sempre fiz foi para lutar contra os problemas. Às vezes causados pelo meu irmão, às vezes pela vida. Complicado.
O que escrevo se refere a um período em minha vida ao qual tudo estava bem. Trabalhava como secretária para um dentista chamado David Fitzgerald Jr., até que bem renomado. Os problemas com relação a meu irmão estavam, digamos, controlados. Eu mesma estava namorando.
E como ele era bom pra mim. John Lankford. Rapaz trabalhador. Não pensava muito, nem era tão inteligente, mas se importava comigo. Idiotas são essas garotas que procuram satisfação com o corpo de um homem sem nenhum conteúdo. Ridículo e patético. Tive uma amiga que terminou com um bom rapaz do nada. Sem motivo algum, simplesmente disse que não o amava mais e que estava tentando mudar o coitado. Estranho mesmo. O que é uma coisa idiota. Mas eu sempre valorizei o meu namorado. Trabalhava como um dos inúmeros pedreiros da cidade. E mesmo sendo um rapaz cheio de palavrões e xingamentos no seu dia-a-dia, ele sempre tinha o seu bom humor no final, falando como eu era linda. Que queria ver meu sorriso sempre. Por isso me presenteava com aquilo que as mulheres normalmente gostam: livros. Algumas, sem personalidade, só se fixavam nas compras de sapatos e roupas. Nunca gostei, prefiro estar completamente nua, mas cercada das grandes obras que ele me trouxe. Era um pequeno paraíso.
Essa vida com Lankford e o babaca do meu irmão Sidney era boa e se foi... Com tanta rapidez que nem sei em que dia, semana, mês ou ano ela se foi. Mais forte que qualquer tornado ou ciclone. Ou um maremoto. Quando as pessoas se pegam olhando as fotos dos desastres naturais ninguém imagina o que ocorre nesses lugares. Assim como quem presenciou tudo aquilo de dentro do olho do furacão. Que lindo era aquilo comparado com hoje em dia. Era um paraíso o frio que sentia na pele depois do serviço. Os tons cinza da cidade se confundiam com as roupas baratas que conseguia comprar. Valia à pena tudo aquilo mesmo com as dificuldades que passávamos.
Só me lembro que naquele dia era inverno. Sei disso, pois estava pensando no que comprar para os enfeites de natal. Eu sempre fui muito sistemática com isso. Era engraçado como tínhamos, eu e o Sidney, esse costume bobo ainda. Carregava-me nas costas e me fazia colocar a estrela na ponta da árvore de Natal. Era um rito, uma prática que tínhamos. Nunca poderíamos deixar de fazer isso no final do ano. Uma vez voltei muito tarde para casa e não avisei a ele. Quase brigamos fisicamente, mas ele tropeçou na varanda de casa. Ri muito. Parecia tão patético. Ele também riu e se levantou, ofendendo Deus e o mundo. Só que aquela época festiva também se tornou complicada para mim.
Estávamos com muitas consultas. O doutor Fitzgerald, que sempre insistiu que o chamasse pelo primeiro nome, estava cheio de consultas no meio do dia. Isso sem lembrar que eu já cheguei atrasada.
Abríamos o consultório às nove da manhã. E eu acordei mais tarde... Quase uma hora mais tarde. Bem, depois me entenderia com meu patrão. Ele sempre tão prestativo e me doava altas broncas. Eu até me sentia mal por ser tão relaxada por isso. No geral, mesmo assim, trabalhar lá era bom. Salário médio para uma mulher nos Estados Unidos.  Melhor que nada era o que sempre dizia. Sempre piorava, mas usava esse refrão para não perder a força. Nem a vontade de viver. O que era difícil.
Almocei como um foguete. Não queria me atrasar mais uma vez. Batatas fritas, com um pouco de arroz, uma panqueca, salada de alface e tomate, além de um refrigerante para que tudo isso entrasse de uma só vez. Parecia até um hipopótamo comendo ali. Refeição barata em um dos lugares mais sujos da cidade. Um verdadeiro cinzeiro em forma de restaurante. Porém, como disse antes, comida com preço acessível e era melhor que muitos outros lugares.
E lá fui eu trabalhar novamente. Era cada tipo de pessoa com bocas cheias de dentes podres, cáries, crianças mal educadas, barulhentas ou fedendo. Admito, não tenho paciência com pestes assim. Só que sabia lidar com eles melhor que as mães algumas vezes. Elas não tinham que lidar com caras como Bradley, o valentão da escola. Sempre tem um deles nos colégios. Aprendemos a fugir deles, ou como se livrar deles na base da pancada. Se fosse tão fácil lidar com eles não aprenderíamos nada nessa vida. Descobri que na nossa vida temos sempre uma terceira opção. No caso do brigão era arrumar alguém mais forte pra bater nas bolas dele. No caso das crianças, é simplesmente fazer uma ameaça velada longe das mães. O dentista garante que tenham dentes limpos e saudáveis, já eu garanto que não os percam antes da consulta.
O doutor até sabia do meu “truquezinho” para manter calmos os pacientes mais novos. Porém, fazia vista grossa. Entendia que fazia algo assim, pois não era fácil lidar com isso todo o dia.  Nem pra mim, nem para ele. Que amor ele era.
De qualquer forma estou divagando. Enrolando, para não escrever o que realmente preciso. Colocar nessas páginas um dos piores fatos que constatei nesses últimos anos, devido ao que aconteceu naquela noite. Algo que veio antes dessas noites sem dormir. Antes de ter que escolher um novo caminho. Onde pessoas não são pessoas. Sangue é bem mais comum do que se imagina. Matar se tornou fácil nesse mundo.
Um mundo de sombras, trevas e escuridão. E ele esta aqui. Ou melhor, ali, depois da próxima esquina.
Para começo de conversa, saiba que foi assim que perdi meu irmão e meu namorado. Não de um modo convencional. Ah não senhor, meu amigo. Mas foi assim que conheci Vanessa Garcia, uma bruxa na melhor das hipóteses. E em especial o homem que nunca me treinou, mas que me fez seguir o meu caminho. Ao qual ninguém jamais gostaria de seguir por livre e espontânea vontade. Essa foi minha terceira opção. Eu caço e mato monstros. Isto é sério.

Nenhum comentário:

Postar um comentário