quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

(Parte 28) Introdução

Voltando a ativa depois de meses sem publicar nada de Contos, eu os delicio com a introdução de O Tribunal das Almas, o terceiro volume da série. Confiram!


Quando alguns homens se entregam aos seus sentimentos, eles fazem tolices ou os atos mais glorificados pela história. As provas estão por toda a parte.
Mas seria realmente tolice o ataque de Aquiles a Tróia? Assim como o rapto de Helena pelo príncipe Paris? Quem poderia fazer atos impensados como os de Beowulf ou Siegfried nas lendas germânicas? Ou as façanhas que são citadas nos livros que vem do extremo Oriente? Poucos alguns diriam, mas que esses erros nos trouxeram as mais belas e comoventes histórias que existem na história da humanidade, não há como negar.
Sem o ataque de Aquiles, Tróia nunca cairia, muito menos teríamos o nome de tal herói registrado nas lendas. E o mesmo ocorre com Paris, que causou esse conflito conhecido por todos, através do amor. E o que disser das lendas das terras onde os heróis adoravam deuses como Thor e Loki? Nada, não ser magnífico. Contos e histórias tão surpreendentes que nos fazem sobre sua veracidade em nossas almas. Pois desejamos que fossem verdadeiros.
Um homem, mesmo quando este possui sangue de deuses ou demônios, pode cometer os mais grosseiros erros. Erros amorosos, por tesouros, poderes, forças do destino ou mera tolice sempre ocorreram nas histórias antigas.
Mas antes delas serem esquecidas, suas histórias percorreram todo o mundo conhecido. Como as pequenas e maravilhosas lendas ou poderosos e maravilhosos épicos, dignos de Homero. Só que todos esses contos surgiram de erros cometidos por alguém. Fossem de humanos ou semi-divindades.
E então, será que um deus faria a tolice de cometer o maior erro de todo o universo? Bem, devemos pensar se isso é possível e se alguns consideram atos divinos como caprichos ou tolices. Nos tempos que antecedem até mesmo o surgimento do homem sobre a face da terra, existe uma frase que diz que um deu nunca erra. Mas existe outra que fala da sabedoria de compreender seus próprios erros, não importando se um plebeu, um soldado, um homem da fé ou um rei. Isso não serviria para uma entidade, um ser superior?
Não há como ter certeza. Muitos poucos diriam que sim, uma divindade comete erros. Quase sempre se deve a raiva, ao ódio ou alegria que surgem nos corações de vários seres vivos, devido às dádivas ou maldições que os deuses criaram.
Como não ofender a divindade que controla os céus e os raios, quando uma tempestade devasta a colheita? Ou quando um deus da magia amaldiçoa o homem sem cultura, que não sabia o reverenciar, ou que não sabia que certas palavras seriam consideradas blasfêmias diante de um templo, sendo que elas estavam em seu coração? Ou ainda, quando um fiel reza para a cruz do Redentor, pedindo que a pessoa que ama seja salva e mesmo assim, ele a leva. Se fosse você ficaria inerte, sem querer revidar a isso de algum modo? Mesmo que fosse só praguejar?
E então me diga: deuses não erram?

Como alguns se preocupam com deuses e panteões, outros olham para dentro de si.  Esses olham para sua alma.
A alma é o recipiente dos sentimentos. Traz consigo tudo de bom ou ruim, triste ou alegre. Aqueles que possuem muita bondade ou que são extremamente imaculados têm quase sempre a alcunha de alma pura. Mas dificilmente nos tempos em que esses contos se passam, uma alma é pura. Isso se deve ao sofrimento que se passa no período dessa história. A preocupação dos reis não era seu povo e sim a fortuna obtida do Oriente. O que causava nos plebeus, raiva e ódio, mesmo não podendo se revoltar contra os reis. Afinal eles eram mestres de todas as vidas que estavam sob sua coroa.
E as almas dos guerreiros, plebeus, nobres, aristocratas, padres, sacerdotes, bárbaros, ladinos e arcanos são transformadas em terríveis forças. A prova disso é a quantidade de atos vis na história. Os seres humanos como outras criaturas, são afetados por outros de hierarquia maior – seja no plano físico ou arcano.
O que me lembra de uma pequena história que escutei uma vez de um amigo.
Certa vez, um mercador que possuía uma linda mulher, deve que se ausentar de sua vila por meses. Ele trabalhava com alimentos e os vendia por todos os cantos do mundo conhecido. Quando voltou, encontrou sua amada adoentada e fraca sem nem poder se levantar. Nenhum curandeiro, padre ou sacerdote de deuses pagãos sabia como lidar com aquela doença. Poderia ser uma doença mundana ou profana, mas nenhum homem conseguia tratá-la.
Mesmo sendo humilde e inculto buscou até onde conseguia com seu esforço. Quando não conseguiu o que queria buscou muito mais além, em reinos e terras que nem imaginava que existiam. Gastou cada moeda que tinha e obteve, para trazer a saúde da mulher de volta. Até sua pequena fazenda foi usada para uma troca, mas nada o suficiente a vida da esposa.
Por fim o pobre sujeito voltou para casa – o único bem que não vendeu ou trocou – derrotado e chorando ao lado da cama. Sua amada mulher febril dormia na frente do homem, que se desesperava. Nesse momento surgiu uma sombra no quarto com capuz e manto, ao qual não era possível enxergar o rosto. Inicialmente, pensou se tratar da morte que levaria sua amada, mas o estranho acalmou seu animo. Essa aparição falou com aquele pobre coitado sobre um modo de ver curada a esposa: um pacto.
Se o mercador prometesse cumprir um trato com o ser debaixo do manto, este salvaria a mulher. Não pensando nas conseqüências, o trato foi aceito imediatamente. Quando isso ocorreu, os dois apertaram as mãos e sangue escorreu. Estava tudo pronto para o pacto.
Um milagre ocorreria. Na manhã seguinte, ele viu com espanto a mulher acordada ao seu lado sem nenhum traço do mal que a afligia antes. Não tinha mais a febre que possuía por meses antes, ainda com um rosto pálido. Era a benção que o estranho lhes tinha concedido. Naquele momento, não havia homem mais feliz no mundo, pois seu amor estava livre da doença que nenhum ser mortal conseguia curar. Isso fez o mercador pensar que o encapuzado fosse um anjo.
Uma semana se passou e o comerciante viajou para uma cidade próxima, enquanto deixou sua amada cuidando de seus negócios, que conseguiu reerguer por milagre. Quando voltou a noite, viu uma comoção ocorrendo próximo de onde ficava sua tenda de comércio. Uma carroça teria atropelado a jovem que havia se recuperado uma semana antes.
Alguns dizem que havia um homem encapuzado perto dos portões da vila, no mesmo dia do ocorrido.
Ninguém sabe se esse homem misterioso era um anjo ou um demônio, ou até mesmo um ceifador. Mas essa lenda se torna um aviso a todos: nunca aceite tratos com estranhos.
Ah, o pagamento do tal pacto era a alma do mercador.

Passaram-se dias. Nem Lacktum se lembrava de quanto tempo. Iliana era um terror. Seus métodos traziam muita dor física aos jovens combatentes. No começo de um dia comum, fazia com que trouxessem quatro baldes de água por um caminho a qual sabia estar repleto de espinhos. Quando o sol chegava ao seu ponto máximo no céu, os forçava a correr com as roupas de baixo, enquanto os chicoteava. Isso era feito pelo tempo que a satisfaria. E com a noite caindo, ela esmurrava os piores como sacos de trigo. Às vezes pensavam se era uma mulher mesmo. Outras se ela era realmente uma elfa.
Ela os chamava de fracos e sem forças. Sempre quando podia, lançava alguma magia sobre o corpo de algum dos jovens. Desde as mais simples até as mais complexas, passando por aquelas que duram dias. E eram muitas.
Em certo dia, Lacktum sentou de frente cabana da bruxa, como chamavam Iliana. Mais por ofensa do que por seus dons arcanos. Eis que surge Arctus completamente exausto, sentando em cima de um monte de cogumelos.
-E então sacerdote? Exausto? – disse Lacktum enxugando o suor.
-Vou te contar direito sobre isso quando parar de ofegar.
-Acha que isso vai ser bom para nós?
-Bem foi à própria rainha das fadas que quis que treinássemos assim. Não foi isso que a bruxa louca disse?
-É algo que Madely... Digo, Vossa Majestade faria. Tudo bem.
-Estranho que só ela nos ajude. O rei e regente Arda, deveria nos apoiar.
-Elfos são muito reservados, e seu orgulho fala mais alto que o perigo que corremos. Humanos é carne de segunda para ele.
-Mesmo assim... E é um parente de Halphy, a garota que nos traiu!
-Eu sei. E que tolice foi crer que Thror era o traidor.
-O esquecido e tolo Tzorv? Por que ele.
Lacktum riu com o pensamento.
-Já ouviu na história do Cavalo de Tróia? Além disso, algo que ninguém se lembra é do que foi dito por Syrus.
-Ah sim! O demônio que supostamente profetizou um grande mal em Thror. Pode ter sido um estratagema. O tal Syrus pode ter feito algo para ter contatado alguém.
-Difícil. Fiquei sabendo por um mago de Avalon que a barreira foi feita por três dos Imortais Esquecidos: Gibraltan, que faz parte dos maiores arcanos de Avalon; Meg clériga de Kanglor, o deus da ira; e James, paladino do mesmo deus de Meg. Não seria tão fácil dele se comunicar além daquela barreira.
-É. Mas é possível... Mas onde estão os outros? Digo James e Meg?
-Bem, até onde sei ninguém imagina o paradeiro do paladino. Mas a sacerdotisa vive como errante pelo Sacro Império Germânico.
-É algo até incomum...
Eis que surgem de repente, como um lampejo, Thror, Seton e Gustavo gritando:
-A bruxa esta atrás de nós! Corram para as colinas!
Lacktum e Arctus saltaram correndo como loucos. Atrás deles com chicote surgia Iliana Brown. Nem parecia a simpática moça que achavam ter encontrado há tempos atrás. Mas sabiam que aquilo era necessário. Para enfrentar o Pacto e todos os inimigos que eles possuíam. Incluindo aqueles que já foram seus aliados.
Enquanto os outros corriam, Valente passou calmamente onde o padre e o mago conversavam.
-Humanos malucos... Bem, melhor assim! Sobram mais cogumelos pra mim!
E ele foi coletando cada um como se estivesse em uma horta. Com isso feito, foi para um lugar mais escuro.

As ruínas do castelo possuíam duas torres. Na maior ficava a sala onde Kalic Benton II se recolhia. Uma sala escura e tenebrosa que em tempos, não tão antigos, serviu para algum arcano sombrio. Não que houvesse alguma diferença agora.
Kalic estava à frente de um espelho. Ao seu lado havia duas enormes tochas, que crepitavam com força. Uma pequena escada o colocava em um ponto mais alto no salão.
Abaixo estava Halphy com os braços cruzados. Ela esperava algo que não sabia o que era. Preferia que fosse poder. Itens de um tesouro não valeriam tanto, pelo menos não por agora. Com suas forças potencializadas, a jovem conseguiria que queria. Fosse o que fosse.
Já o mago morto temia a jovem. Mesmo não sendo tão poderosa ainda, ela tinha mente sagaz. Além de força no combate e seus dons arcanos que cresciam em uma quantidade alarmante. Os deuses a favoreciam por algum motivo. Se ele não agisse tanto por vingança talvez o contemplassem.
Ela não entendia como funcionava a mente do arcano que já deveria ter morrido. Lembrou-se o que leu em um dos livros de Azerov o nome do tomo era Codex Necro[1] e continha palavras sobre os mortos. Aqueles que são erguidos de seu repouso com os corpos já em decomposição, sem suas mentes e almas, seja por uma magia ou fonte de mana, chamaram de mortos famintos. Aquelas almas atormentadas que se mantêm nas trevas de sua vida passada são chamados de espíritos famintos. E os que possuem um corpo, se lembram de suas vidas passadas, que não possuem seu espírito e que escolheram esse caminho por livre e espontânea vontade, são chamado de mortos sem descanso. Estes últimos são tão perigosos que lendas relatam sobre um único ser ou criatura, saindo do Além e matando vários humanos, quase sempre é relacionado a eles. Assim, deveria ser Kalic, ela achava.
Kalic estendeu a mão diante do espelho. Em sinal de respeito proferiu:
-Liberte o que jamais foi encarcerado! Os mortos cantam seus próprios acalantos!
Nesse momento, do espelho, surgiu uma imagem. Parecia com uma enorme face não humana. Na verdade, quase lembrava uma serpente ou algo pior. Não tinha um aspecto muito bem definido, devido a nevoas que surgiam ao seu redor. Estranhamente, se parecia como quando se joga uma pedra num lago sereno. Uma onda que parecia aumentar cada vez mais.
-O que é isso Kalic? – perguntou a ladina feiticeira, temendo a resposta.
O mago se virou de frente apontando para o espelho.
-Minha cara Halphy, dentro dele... Desse espelho, reside a alma de Sinestro. Aquele que você tanto buscava em busca de poder.
Nesse momento ela se ajoelhou como se estivesse diante de um rei ou divindade. Ou do tesouro mais inconcebível – e profano – aos homens. Benton reparou um pequeno sorriso surgindo na face dela. Ele notava que era como uma cobra que se agita antes do bote.
Muito prazer Halphy Brown.



[1] Livros como esses seriam escritos por sacerdotes egípcios para catalogar e atingir os pontos fracos dessas criaturas. Porém, muitos necromantes os usavam para buscar maior conhecimento sobre os mortos e controle da vida.

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