domingo, 9 de julho de 2017

Eu te seguro: um texto sobre a morte

Eu nunca gostei da morte. Todo mundo a teme. Mesmo que um pouquinho, até Neil Gaiman não deve gostar disso.
Talvez seja, pois, a única certeza para todos é que vamos morrer. Não importa se somos crédulos ou ateus, formados em biologia, história ou matemática, ou que tenhamos conhecido vida alienígena. Você vai falecer assim como eu.
Somos uma casca. Só isso, um grande involucro. Não trato de alma ou carne. Mas de sentimentos. Falem o que quiserem, mas nossas emoções são a única coisa que sobra nesse mundo. São parte das lembranças que deixamos.
Ainda assim, não devíamos temer ela. E assim abraça-la. Nunca diria para todos perdermos a vida, mas sim nos conformarmos com seu abraço. Pois ela não é quente nem fria. É só alívio.
Parece mórbido e estranho, mas talvez compreendam com o que vou escrever. Sou uma pessoa que pode nunca ter chorado por parentes que pouco conheci, apesar de serem de grande relevância na minha vida. Contudo, choro por pessoas que conheci muito pouco tempo e que já fazem parte das minhas melhores lembranças.
Então, enquanto escrevo isso, saibam que estou cuidando da minha cachorrinha Kelly. Ela é uma vira-lata que deve ter parentesco com chihuahua, ou outra espécie pequena. Só que recentemente, em menos de uma semana, ela não consegue mais se manter de pé. Seus olhos estão inchados e vermelhos. Fica deitada o dia inteiro. Primeiro perdeu a noção de equilíbrio, depois caia sem motivo, até que agora, ela quase não se movimenta. Colocando seu pescoço para trás, nos deixando com medo. A mim e a minha mãe.
E nessa tarde, eu a segurei para colocá-la no sol. Como ela sempre gostava. Peguei Kelly e a deitei-a no quintal. Enquanto, fazia isso a acariciava. Me ocorreu um estalo. Por um pensamento de ajudar ela, eu a segurei para tentar ficar em pé. Não conseguia manter os pés de forma correta, mas não me importava. Só queria que ao menos nos últimos dias dela, ela pudesse fazer suas necessidades dela sem problema. Pudesse fazer aquilo sem a minha ajuda, mas coitada... Nem conseguia se erguer. Ainda que tudo isso não funcionasse eu mantive ela de pé falando “eu te seguro”. Mesmo que ela nunca mais ande, ou nunca mais fique brava comigo, ou nunca mais deite junto a mim e minha mãe, ou lata me atrapalhando nos meus desenhos, ou pense que é perigosa sendo a menor das minhas cachorras, eu a vou segurar. Talvez essa seja nossa única alternativa. Pois mesmo nos esforçando, nós sabemos que vamos perde-la.
Perdi muitas pessoas que amava, assim como animais. Ainda assim, continuando amando todos aqueles que estão ao meu redor, desde que esses sejam seres que ainda são importantes para mim. E quando até estes seres magníficos também me deixarem, eu também vou chorar. Pode ser para um ser pequenino como a Kelly, ou alguém enorme em coração e alma, como já ocorreu. Eu não me importo em me chamarem de chorão. Mas eu irei “segurar” estes personagens da minha vida. Ajudar essa passagem na vida delas. Que deve ter sido tão magnífica quanto a minha. No quesito que viveram com toda a vontade de seus espíritos. Com ou sem arrependimentos.

E quando for a minha hora, a derradeira, eu vou me “segurar”. Espero que alguém me “segure” também.

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