Ele já lhe disse que lhe ama?
Eu sou a verdade e a vida
Você ao menos pode acreditar
Você tem muito que agradecer
A tua vida é mais importante
Do que jamais imaginou
Por isso olhe bem aonde vai
Ele te ama, confie nele!
Ele conhece todos os teus problemas
E quando você chora escondido
Apesar de tu não querer
Você tem muito que aprender...
Arctus chega, enquanto Gustavo declamava essa canção. Para o
clérigo, era comum ouvir Gustavo cantar desde que teve aquele sonho. Parecia a
mais pura verdade, ver seu irmão mais novo num espectro luminoso azul, dizendo
que já serviu o seu propósito na vida. Mas como seu irmão, o destemido Gustavo
deveria preencher seu lugar de companheiro num grupo de aventureiros.
O paladino continuava na janela. É então que sente a mão do
clérigo em seu ombro.
-E então Salles? Preparado?
-Sim Arctus – falou colocando sobre a do sacerdote.
-Acha mesmo que ele pereceu?
-Eu queria que não tivesse... Mas acho que sim. Sinto que
sim.
-Entendo.
Gustavo então se vira em direção ao amigo que o apoiava e com
os olhos castanhos e tristes diz firme:
-Vamos, pois temos muita coisa para ver. E a Santa Sé conta
conosco!
Arctus solta um sorriso amarelo, pois sabe que a empolgação
do amigo é falsa.
Eles descem a escada da taverna. Os dois sentiam uma má
sensação. Eram aliados a um bom tempo e um sabe quando o outro estava ferido na
alma. Quando chegassem ao final das escadas teriam que partir a uma jornada que
poderia nunca mais ter volta. Que Deus faça com que estejam errados foi o que
pensaram.
Pagam as contas, inclusive dos estábulos onde mantinham os
cavalos. Ainda não era tempo de Gustavo possuir uma montaria especial, mas
acreditava que sua honra logo mostraria ao Pai que era merecedor. Mas se
contentava com seu velho Sam, um belo corcel pesado.
Enquanto Arctus mexia na sela de sua montaria Fred, o clérigo
notava que o cavalo se incomodava com peso dos itens. Mesmo assim o sacerdote
se preparou para subir no animal.
-Se acalme amigo - disse o padre Arctus enquanto passava a
mão no pelo do animal – calma. Quando chegarmos lá, te arranjo o que comer.
Foi então que as montarias começaram a cavalgar cada qual com
seu respectivo cavaleiro. E enquanto seguiam o sol no horizonte, conversavam.
-Qual era o nome da musica que declamava? – perguntou curioso
o sacerdote.
-Ultimo aviso. Apropriado não é?
Arctus mais parecia um templário, todo equipado e cheio de
orgulho desses monges guerreiros. Ele havia raspado o meio de sua cabeça para
não ter nenhum problema em combate, o que não era nenhum incômodo para si. Um
sacerdote de Deus teria que combater muitos maus, ele pensava.
O paladino de longos cabelos negros não estava mais triste ou
nostálgico. Só receava pelo seu irmão. Nem pensava na segurança de seu reino.
Afinal, o sol que brilhava sob sua cota de malha, não refletiria mais o
sorriso.
Vários dias se passaram desde que os jovens aventureiros
voltaram do Oriente. Eles não se sentiam como antes. Não festejavam como
naquelas antigas semanas que iniciaram ali, quando Federick estava entre eles.
Não sentiam o ótimo gosto do vinho bom. Tão pouco se olhavam entre si, mesmo
que fosse só para conversar um pouco sobre o que fariam agora. Essa situação se
arrastou por duas semanas.
Azerov e Madelyne, sempre tentavam alegrar os amigos que
conquistaram em tão pouco tempo naquela torre. O velho mago conversava com
Halphy e Lacktum, algumas vezes calmamente tentando os fazer melhorarem, outras
de modo repreensivo. Afinal, eram eles que tinham o maior poder sobre o animo
do grupo. Experiente, o mago dono da torre falava para eles que ambos tinham
maior força sobre o grupo, pois eram extremamente inteligentes. Líderes natos,
ele dizia. Mas eles se deixavam envolver pela dor da perda de um companheiro.
Só Gor se mantinha forte. Ele se mantinha como um verdadeiro
soldado, que ignorava os sentimentos tristes e depressivos. Um forte, um homem
de fibra, mas não frio. Até Thror se levantava de sua depressão quando o inglês
surgia.
Um estranho fato ocorreu quando o mago inglês se sentia
triste e estava completamente só na torre.
Lacktum tinha vários momentos de depressão. E em um deles
ocorreu um fato sinistro e macabro. Enquanto lia seu grimório, o mago ouviu o
seguinte.
Van Kristen ouça...
Ele olhou ao redor e não viu nada. Quando notou as suas mãos,
cobertas pela luva cheias de inscrições mágicas, elas tremeram.
-Mas que In...
Ouça Van Kristen Vou precisar...
De repente, o mago colocou as mãos em seus ouvidos. Era como
se uma serpente penetrasse em sua cabeça. Ele se debatia, para inutilmente,
retirar essa voz do seu espírito. Eram livros e pergaminhos caindo no chão.
Nada fazia a voz venenosa parar seu processo.
-Saia de onde estiver! – berrava o jovem.
Você sabe que estou em sua mente
Lacktum parou de pé, no meio da sala. Ele colocava a mão
sobre si, como se adiantasse algo.
A sala se manteve em silêncio. Foi quando Lacktum escutou:
Vou precisar do seu corpo
Quando escutou isso, um forte impacto tomou corpo e alma do
mago. Ele caiu ao chão tão rápido, quanto uma arvore que perde as raízes.
Os dias que se seguiram, foram estranhos. Lacktum era
extremamente obsessivo, mas aquilo era demais para ele. Os isolamentos, os
utensílios mágicos secretos, os modos rudes e até os nomes que trocava, não
combinavam com Lacktum. Vez ou outra era possível notar o mago indo a lugares
isolados, fora da torre. E isso preocupava a todos.
Apesar de nunca ter sido tão ligado ao paladino, muitos
pensavam que Lacktum estava assim por conta da morte do companheiro. Eles mal
desconfiavam das atitudes suspeitas do mago. Não achavam estranhas as fugas
dele, porém, sabiam que ocorriam bem mais do que de costume.
Só Azerov conversava com ele.
Este se recuperava lentamente dos dias em que leu o livro.
Mas ainda, exigia cada vez mais de Madelyne. Ela ficava fazendo as tarefas que
antes compartilhava com Azerov. O engraçado era que o mago nunca a trava com
uma serva. Era mais como uma amiga. Mas Halphy, que já havia percebido isso, se
utilizou desse fato para verificar a torre.
Como Madelyne assumiu algumas tarefas de Azerov, ela não
poderia ficar em todas as partes da torre ao mesmo tempo. E Halphy tinha
certeza que aquele local deveria possuir uma localidade secreta. Era típico de
lugares assim possuírem portas secretas. E ela iria achar.
Quando estava em uma de suas explorações, por esse local
secreto, notou um pequeno fluxo de ar próximo da escada para o primeiro andar.
Começou a tatear a parede, com a finalidade de encontrar uma brecha, uma pedra
solta ou uma alavanca. Foi quando mexeu um tijolo um tanto quanto suspeito e
gasto. E nesse momento, parte da estrutura da parede se moveu, revelando uma
passagem.
Halphy entrou no lugar calmamente, com a preocupação de não
ser emboscada. Apesar de já viver a mais de um mês ali, nunca viu aquela
passagem. O que lhe causava medo. Ela sabia que magos eram conhecidos por itens
mágicos, mas também por armadilhas arcanas.
Os passos eram leve como as de um gato. A meio elfa abafava
os sons da caverna, como podia. Havia praticado roubos o bastante para aprender
como aliar as sombras ao silêncio. E ela se sentia mestra nessa arte.
Após um bom tempo, a caverna se mostrou uma enorme gruta. Era
linda. Todo o lugar exalava a magia silvestre, a força da flora e da fauna. A
ladina controlava muito pouco da Arte, mas já sabia que a magia provinha de
algum lugar em Avalon[1].
Mas será que Azerov conhecia alguém da Ilha do Repouso do Rei? Da Ilha das
Brumas? Ela logo teria essa resposta.
Quando notou, ouviu passos na caverna. Eram delicados, mas já
pareciam acostumados com as pedras do lugar. Foi quando Halphy notou algo que
nunca imaginaria. Quem estava ali era Madelyne.
Halphy não sabia o que fazer. Não poderia se esconder, muito
menos mentir. Ela ergueu a besta de mão. Foi quando a ladina, vi pela primeira
vez, o rosto da jovem encapuzada. Ela tirou o capuz. Madelyne era uma ninfa.
-Que coisa, - disse Madelyne espantada, mas não assustada –
achei que ninguém acharia esse lugar. Você é fenomenal.
Halphy abaixou à besta quando constatou que a imagem de
Madelyne era de uma ninfa.
-Você... Você... É uma ninfa!
Madelyne sorriu.
-Sou sim. Perdão se nunca revelei isso a vocês.
-Mas... O que... Por qual motivo?
-Primeiro, uma ninfa não seria bem tratada entre os homens
mortais. Segundo eu tenho alguns problemas que Azerov concordou em me ajudar.
-Como assim?
Pegando na mão de Halphy, a ninfa continuou:
-Só posso lhe dizer que você não deve contar isso a ninguém. Promete?
-Mas... Olha... Ah! Esta bem, mas só me conte uma coisa.
-O que seria?
-Qual é o seu nome? O verdadeiro. Pois eu sei que uma ninfa
não teria o simples nome de Madelyne. Ainda mais alguém de Avalon. Por isso
essa gruta lembra tanto a Ilha das Brumas, não é?
As duas riram como confidentes amigas de muitos anos. Apesar
de tudo, elas tinham um parentesco, afinal ambas tinham sangue faérico. E ao
que parecia, corria forte em ambas.
-Esta bem, - respondeu a ninfa com ar de encabulada – meu
nome é Aluniel.
Os dias se passaram e Azerov se recuperar do livro, já havia
preparado a carga da pedra de Ixxanon.
Eles estavam preparados para mais de uma viagem. E eles não tinham muito
tempo. Ficaram sabendo que a ilha da bruxa havia sido atacada por um bando misterioso
de mercenários. Com certeza o mesmo grupo da criatura que estaria caçando eles
desde Starten. Mas isso não era algo para ser considerado, pelo menos não
agora.
Novamente Azerov se preparava no segundo andar. Varias runas
de conjuração circundavam toda a sala, e como antes, havia uma pedra no centro
que acumulava a mana que estava ao redor da torre. Ela ofuscava os itens
mágicos e mundanos da sala.
-Já sabem o procedimento. Mas repito, irão para o norte? Irão
para o Reino da França? – soltou Azerov seriamente.
Halphy olhou para Gor. Este assentiu com a cabeça, como se
tudo estivesse pronto. Lacktum ficou no canto, olhando a todos de forma
indiferente e se lembrando da conversa com Gor.
Gor chamou para conversar com o jovem um belo dia.
Estavam em um pequeno morro onde havia colunas de uma ruína
de origem espartana pensava o mago. Em uma delas, Gor se sentou, enquanto
Lacktum olhava tudo ao redor de pé. Estava irritado como de costume.
-O que foi guerreiro?
-Lacktum... Quem lhe concedeu a adaga e o brinco?
-Meu pai – respondeu confuso o mago.
-Você sabe do que eles são feitos?
-Não.
-Eu acho que são moldados em metal espectral.
-Como assim? Metal espectral? Nunca ouvi falar disso.
O dia estava claro e cheio de pássaros no céu. Pareciam que
estavam em migração.
-Dizem lendas que alguns elfos negros encontraram um metal de
qualidade boa. Porém, quando ele era forjado pensando em alguém as propriedades
das armas e armaduras ganhavam especialidades únicas, a favor ou contra a
pessoa.
-Como o Coração de Kana?
-Sim, mas outras raças já o encontraram na superfície e o
chamaram de metal do ressentimento.
O silencio preencheu o
dia.
-Mas o que você quer dizer com isso?
-Olhe Lacktum, em boa parte dos casos o forjador tem um
grande rancor da pessoa para qual a arma ou item foi sincronizado mentalmente.
O que constitui um mistério. Que talvez só você desvende. Seu pai deveria
conhecer o próprio assassino pelo que me falou. Qual o motivo disso?
-Nem imagino, mas seja o que for ele deveria querer me
proteger. Mesmo assim, como você veio a me falar sobre isso só agora? Conhece a
nós um pouco mais de três meses e só agora me fala sobre todos esses fatos.
-Eu escondi a todos que era um Imortal Esquecido, pois
precisava da confiança de todos que estão aqui. Quando era um homem comum era
sempre tratado como uma pessoa normal, sem nenhum privilegio. Mas quando as
pessoas sabiam do meu poder sobre a morte, sobre a minha imortalidade, queriam
me usar ou me tratavam como um demônio ou bruxo. Precisava ter certeza que
vocês confiavam em mim pelo que sou de verdade, não pelo que eu posso fazer ou
fui. E com vivi até hoje não queria ser maltratado, nem usado como na época em
que era mortal. Mas agora não pense sobre mim e sim em como seus itens podem
ser a resposta para o que aconteceu com você.
Gor então se levantou, chegou próximo de Lacktum e disse:
-Pense nisso, se a mascara o deixar fazer.
Foi então que Lacktum conseguiu lembrar precisamente das
palavras de seu pai.
Destrua aquele que surgir quando esses itens
demonstrarem sua verdadeira face
Lacktum se calou enquanto o guerreiro inglês voltava para a
torre. Ele segurava a adaga pela lamina. O que saia da pele era sangue.
Lacktum voltou a si. Azerov olhava para o jovem mago com ar
de piedade. Ele sabia que a máscara o controlava, mas não poderia fazer nada,
afinal deveria ser parte de seu destino. O mago ruivo tinha sido fraco em
relação aos poderes do Desalmado.
O que Azerov e Halphy souberam sobre o Desalmado em suas
pesquisas foi que ele já foi um poderoso e grande mago de renome até mesmo em
terras desconhecidas. Tão ou mais perigoso – era o que diziam as lendas – que
Merlin, Morgana LeFay, Paracelso ou Gibraltan D’Asgard. Ele enlouqueceu após
ter sido capturado e torturado durante meses por um antigo inimigo. Ambos
temiam o que poderia acontecer com Van Kristen, pois a consciência do Desalmado
residiria na máscara.
Mas não era momento para isso.
-Perto de uma colina Francesa existe um templo em uma colina.
Procurem direito, pois esta encravada naquela região pelo que dizem os livros.
Cuidado, pois lá residem alguns monstros. Então partam... Agora!
O jovem mago iria esboçar uma pergunta, quando a magia de
Azerov estava pronta e amplificada pelo poder da pedra, os fazendo sumir
novamente em um piscar de olhos. O experiente mago olhou para quem ficou na
torre. Novamente, Richard e Hugo, ficaram por lá. Mas o velho caduco iria
aproveitar dos dois.
-Acham que vão ficar só estudando e treinando aqui na torre?
Nada disso! Você de cabelo liso, vá limpar todo esse lugar. Já você vá limpar,
vá ajudar Madelyne a cozinhar. Prepare um peixe de preferência.
-Eu sou Richard, e ele se chama Hugo. Eu sou um druida, ele é
um feiticeiro. E não somos seus empregados! Quantas vezes vamos ter que lhe
falar isso?
-Olha que eu lanço magia de novo em vocês!
-Ai, ai. Algumas vezes – começou a falar Hugo, olhando para
cima como se suplicasse ajuda – eu penso que não seria se fossemos com eles.
Enquanto cavalgavam, Arctus e Gustavo conversavam.
-Para onde exatamente vamos amigo? Quais foram às ordens da
Santa Sé? – perguntou um pouco mais entusiasmado o paladino.
-Iremos para o Reino da França! Temos ordens de encontrar um
grupo de aventureiros que caçam uma serie de artefatos poderosos. E isso de
certa forma vai de encontro com meus planos.
-Planos? Que planos?
-Quero conquistar postos na Igreja e com isso ser mandado
para Jerusalém.
-Então eu lhe ajudarei meu amigo. Um sacerdote como você
precisa de uma espada para se proteger.
-Há, há! Muito grato Gustavo, muito grato!
Quando abriram os olhos, estavam diante de uma pequena vila.
Halphy logo a reconheceu como um lugar de origem de sua terra natal. Estavam no
Reino da França.
Lacktum então começou a falar.
-Vamos direto para a tal colina. Quando mais cedo formos,
mais cedo voltamos.
O guerreiro inglês ficou furioso. Mantinha os olhos sobre o
mago ruivo. Então o líder falou:
Com que autoridade quer mandar no grupo? O grupo segue minhas
ordens, e eu digo para seguirmos até a vila para obter informações. Ou tem algo
contra?
Ele se opõe a nós Ele não sofreu o que nós sofremos É
melhor se livrar dele logo...
-Cale a boca! – gritou a esmo Lacktum.
Foi quando muitos do grupo notaram com Lacktum havia mudado.
Todos começaram na direção da vila como Gor havia falado. Somente Halphy e Gor
ficaram um pouco mais de tempo naquele mesmo lugar. Mas todos dentro do grupo
agora o olhavam com certo temor.
-Lacktum, - falou alto Halphy com cara de emburrada – pelo
menos encare Gor, não grite com o vento. E sem motivo algum! Ele esta certo!
Foi quando Lacktum finalmente notou que havia ficado nervoso
com a tal voz. Não com um ser vivo, não com uma criatura, nem um animal, mas
sim com um som que escutava em sua mente. Ele então colocou uma das mãos sobre
a nuca em sinal de desespero. Não compreendia o que estava acontecendo de errado.
-O que ocorre comigo? – falava isso baixo enquanto caminhava
na direção da vila - Será que nós estamos enlouquecendo? Mas espere... O que eu disse?
Não os ouça Não conceda atenção para eles Nós estamos
juntos
Todo o grupo tinha sido mandado para perto de uma vila, em
uma pequena floresta que lá havia. Pouco a pouco saiam da mata. Obviamente, os
últimos a saírem foram Halphy e Gor. Enquanto isso, o mago continuava
transtornado pela voz que escutava e as ordens que dela vinham... Ordens? Não
eram lembranças? A certeza já não existia em sua mente o traiam. Elas surgiam
como se fosse dele. Era muito estranho, mas era bom, ele pensava. De uma forma
macabra, era muito bom.
Quando lá chegaram se lembraram de Starten, onde boa parte
deles havia se encontrado. Não havia como não se lembrar. Porém, essa cidade
parecia mais prospera do que a pequena vila em que os aventureiros de
encontraram pela primeira vez em sua jornada. Mesmo assim algo, como Starten,
estava errado.
As portas e janelas, todas fechadas, mostravam que o lugar
transbordava medo. Não havia pessoas nas ruas, nem na fonte que lá existia, com
só um pobre mendigo dormindo ao seu lado. O único lugar que demonstrava um
pouco de vida era a igreja. Isso se devia a um coroinha, que olhava com receio
para os jovens. Mas mesmo com temor ele chamou o padre.
Gor então falou de canto de boca:
-Será que estão com medo de nós?
-Acho que não inglês – falou Halphy, com seus olhos
amendoados – se fosse isso, eles deveriam saber com antecedência sobre nós. E
para isso alguém deveria entender de magia.
-Realmente – soltou Seton – mas quem não garante que haja um
mago na cidade?
-Um mago, em uma cidade que se encontra no meio do Reino da
França? Você não acha que isso ficaria muito exposto para as autoridades
locais?
-Verdade.
-Mas com o rei saindo em direção das Cruzadas isso poderia
ser despercebido.
Foi então que Lacktum atravessou o grupo, rumo ao centro da
cidade com muita rudeza.
-Fiquem calados e comecem a andar. Nada começa ou termina se
ficarmos parados aqui!
O guerreiro Gor se controlava o quanto podia. Halphy se
colocava na frente do inglês, impedindo uma tentativa de ataque do soldado
contra Lacktum. Esse se colocava mais a frente do grupo, como se os liderasse
em direção da igreja. Mas ninguém pensava nele como um líder de verdade.
Ultimamente ele agia mais como um estorvo do que um membro do grupo que se uniu
a eles em Starten. Desde aquele período - que já completava quase quatro meses
– ele sempre tinha sido um chato. Agora, o mago exagerava em sua arrogância nas
ultimas semanas. Parecia que os outros o confrontassem.
Quando lá chegaram, o padre estava a postos para recepcionar
a todos. Parecia ter um rosto abatido.
-Ainda bem! Graças a Deus! Vieram nos auxiliar? Vieram em
nome da Santa Sé? Desculpe a aflição, mas temo que o mal que esta atacando essa
cidade esta nos deixando loucos.
-Calma – respondeu Gor prontamente – Bem, não sei qual o
motivo disso tudo, mas viemos por algo que não tem relação com essa vila.
Também não somos da Santa Sé. Mas, se nós contar o que houve por aqui para que
todos estejam com tanto medo, talvez possamos auxiliar vocês. O que ocorreu por
aqui? Qual o motivo das casas estarem fechadas desse jeito?
-É o fim dos tempos! – gritou apavorado o padre – Um espírito
desencarnado invade a vila e ataca os homens e mulheres mais fracos. Como esta
nas escrituras sagradas. Quando os mortos voltarem será o fim dos tempos. Meus
amigos... Se puderem nos auxiliar serei eternamente grato! Somos alvos da fúria
de um fantasma!
-Se ele soubesse o que passamos então em Starten... –
cochichou Thror para Halphy.
Entrando na igreja, todo o grupo ficou sabendo do terror que
a vila passava: há cerca de um mês uma jovem de nome Annete teria morrido de
forma misteriosa. Havia comentários que talvez ela tenha sido morta por um
amante misterioso, já que seus pais nos confidenciaram que ela esperava um
filho. Nunca souberam quem era o pai. No corpo havia marcas estranhas, até
mesmo para um animal. Muitos acreditaram que ela talvez tenha sido atacada por
uma das criaturas tenebrosas que invadiu aquelas terras, pois estava sumida a
um bom tempo. O padre, até então não acreditava muito nisso, mas esse era um
assunto para ser tratado depois. O que realmente importava era o fato que tinha
ocorrido. Tempos depois, o cemitério teria sido invadido por algum estranho que
roubou o corpo da jovem. Rumores correram pela cidade, sobre adoradores de Satã
se infiltrando na cidade, querendo os corpos dos mortos para criar vida
profana. Alguns desses boatos falavam sobre pessoas da vila que teriam um
interesse em especial no corpo da garota, para esconder um segredo. Nenhum
desses fatos foi confirmado pelo padre, sendo que nem ele tinha certeza sobre
isso. Mas o pior estava por vir. Já que a algumas noites atrás, no alto da
torre na igreja apareceu na noite, a forma feminina espectral e diabólica da
jovem Annete. Pelo que o sacerdote comentou, parecia uma mulher usando a
mortalha que cobriu a jovem, quando esta foi enterrada. Ela proferia palavras
de vingança e seus gritos criavam varias explosões de chama tão grandes, que
cobriam uma casa pequena. Era o fogo do Inferno alguns diziam. Tudo teria
ocorrido há uma semana, e desde então, toda a noite o espectro surge do nada
soltando blasfêmias em outra língua. Não fazia muito tempo que o padre Bernard
assumiu aquela congregação. Os pais da garota não queriam falar com ninguém
sobre aquilo. Eles falavam que o filho do demônio possuiu sua filha e por isso
ela atacava. Todos da vila se refugiavam em suas próprias casas, pois acreditam
que a igreja era maldita, já que a jovem espectral surgia varias vezes de lá.
No grupo todos escutavam, prestando atenção em cada detalhe.
Exceto talvez, Lacktum que nem queria saber sobre tudo aquilo. Este ficou na
porta da igreja, olhando o sol se pondo no horizonte. Achava sempre tediosas as
conversas com os sacerdotes, independente do deu que seguiam.
Halphy e Gor sentados nos bancos conversavam com o padre.
Esse estava tão nervoso, que só se lembrou de falar seu nome depois de toda a
explicação sobre o ocorrido na vila. Seu nome era Bernard e já era padre
daquela congregação havia três meses, desde que o padre anterior morreu. Ele
tinha medo que a Santa Sé não acreditasse nele. E a ladina e o guerreiro inglês
sabiam como era a liderança da Igreja em relação a fatos fora do comum. Então,
era dever do grupo ajudar aqueles pobres aldeões da vila.
Thror nunca compreendeu muito bem esses assuntos religiosos
daquele povo. Ele acreditava que um só deus ficava muito atarefado para cuidar
de tudo e todos. Zeus cuidava do céu, das aves, das chuvas e das tempestades.
Poseidon tratava da água, dos peixes, dos monstros marinhos e das enchentes.
Por ultimo, Hades cuidava dos mortos, dos Campos Elísios, do Tártaro, do rio
Estige e de tudo que ficava abaixo do chão. Nada mais. Havia outros deuses, mas
os mais importantes eram esses três.
Seton não ligava para isso. Ele acreditava que a natureza era
sua companheira e mestra. Talvez nunca tivesse compreensão sobre o medo dos
homens desses fantasmas, pois nunca foi uma pessoa que temia espíritos. Os
espíritos que sempre conheceu eram os poderes da Grande Mãe.
Mas para a maioria que havia estado em Starten, acreditar em
fantasmas era algo plausível.
Quando Halphy, Gor, Thror e Seton escutavam as suspeitas do
padre – que dizia poder ser a culpa de uma curandeira que havia na cidade, pelo
que ele dizia – o mago voltou gritando. Parecia que tinha visto uma aparição.
-Todos venham logo para fora da igreja! Acho que estou vendo
a tal Annete!
Todos saíram da igreja apressadamente. Gor e Thror já
desembainhavam as laminas de suas armas. Já Halphy preparava sua besta de mão
ao mesmo tempo em que retirava sua saia improvisada, afinal era uma terra
católica acima de tudo. Aparência era tudo em um lugar como aquele. Tanto que o
próprio Seton tinha que embrulhar sua foice em vários tecidos para encobrir. Do
modo como muitos naquela vila deveriam ser fervorosos fiéis da igreja católica
poderiam achar que ele era a própria encarnação da morte.
Quando estavam fora do templo, notaram que as pessoas olhavam
para o alto, em direção da torre da igreja. Lá em cima, se podia notar uma
figura translúcida coberta por um manto branco, próxima ao topo. Ela tinha o
rosto de uma jovem moça contorcido de dor. Olhava em direção ao grupo com certa
raiva. Então, ela começou a proferir palavras com tom macabro.
-Mas que língua infernal é essa? – esbravejou Seton.
-Você respondeu seu próprio questionamento, druida –
respondeu Lacktum, quando chegava próximo do grupo – Na verdade, essa linguagem
é denominada abissal, o idioma dos seres das trevas, os gênios do mal que os
homens tratam por demônios.
-Onde você estava? – a furiosa Halphy perguntou ao mago – Não
veio logo para fora.
Vendo o padre se esconder de medo atrás do altar. Patético eu
diria. Mas voltando ao assunto, o que ela esta dizendo – começou a traduzir o
ruivo de cabelos arrepiados – são palavras de ódio contra o padre, a curandeira
e algumas outras pessoas da vila. Tem esse tom macabro, pois é difícil falar.
Até para mim. Esta nervosa mesmo... Esta usando jargão de baixo nível. Bem
existe algo errado agora, pois ela parece estar falando coisa em outra língua.
Parece...
-O fantasma fala a língua dos césares? – soltou Gor. Ele não
falou aquilo como uma pergunta a qualquer um do grupo, mas sim pelo fato de
achar aquilo muito estranho. Como uma constatação sobre o idioma que estava
sendo falado agora. Quando serviu a coroa inglesa ele conheceu um homem que
morou em Roma. Outro soldado, como ele. Isso foi depois de ter conhecido Kalidor,
James e Galtran. Sempre ouvia atentamente historia de heróis guerreiros contra
magos poderosos e malignos. Pois tinha saudade dos Imortais e essas histórias o
lembravam deles. Mas tinha certeza de que aquilo era língua falada em Roma.
De repente o espectro macabro gesticulou com sua mão
rapidamente, como se fizesse uma sinistra dança da morte. E sem motivo algum,
seu corpo acompanhava o bizarro bailado. Até a criatura parar subitamente e
estender sua mão em direção ao grupo proferindo algumas palavras:
-Bruciare
Em um instante, uma luz explosiva preencheu aquele começo de
noite e ela cruzava o ar com força avassaladora. Só houve um instante para
Halphy gritar.
-Corram!
A jovem saltou com desenvoltura única para longe do foco da
luz incandescente. Lacktum pulou na direção das escadas da igreja para tentar
se salvar. Seton levou metade do impacto da enorme bola de fogo que quase
consumiu seu braço e perna esquerdos por inteiros. Gor e Thror se machucaram
demais para fazer qualquer coisa em resposta. A armadura pesava demais, como
uma pedra que desacelerava cada movimento. E isso causou enormes marcas de
queimaduras por todos os corpos dos membros do grupo. Quando todos notaram, a
causadora de todo aquele efeito devastador no meio da cidade, havia sumido.
Como um fantasma.
Seton, mesmo ferido, começou a ajudar os outros. Logicamente
pelas feridas no braço, não pode lançar magias de cura, nem usar seus
emplastros, mas sabia como tratar de queimaduras. Os aldeões agora saiam de
suas casas, para tentar auxiliar o grupo. Eles tinham rostos tristes e
deprimidos, abatidos por alguma coisa que os aventureiros conheciam bem: medo.
-Deuses! – falou Seton, enquanto tratava as feridas e alguns
aldeões o auxiliavam – Por Cernunnos e Ceridween! Aquele espírito quase nos
matou! E como arde!
-Eu não teria tanta certeza – soltou Halphy pensativa.
-Por acaso, quer me fazer acreditar – disse um Lacktum
irritado – que aquele ser desencarnado não queria nos matar? Olha...
-Escute direito ruivo! Para começo de conversa, ela realmente
queria nos matar. Mas você tem que notar algumas coisas estranhas. Primeira, é
que o padre disse que a criatura lançou uma esfera de fogo, como hoje. Ao que
parece, é a primeira vez que um grupo de aventureiros vem desde então. E o
suposto espírito soltou um tipo de magia rara nos dias de hoje contra nós. Não
é suspeito?
-É verdade...
-A segunda coisa a se notar é exatamente o fato dela lançar
magias. A tal Annete era só uma mera camponesa, nada além. O feitiço como falei
antes, era poderoso o bastante para ferir gravemente e o tolo guerreiro grego. E
se não fosse pela imortalidade de Gor e a resistência de Thror eles poderiam
ter morrido. E desde que eu me lembro criaturas desencarnadas não são
conhecidas por possuírem grandes poderes arcanos. A não ser que os tivessem em
vida. Minha mãe me ensinou isso.
-Isso é bem correto – disse Gor, levantando após o golpe
arcano e cobrindo seu corpo para que os aldeões não visem sua cicatrização
veloz – mas ela não poderia ser uma maga ou feiticeira sem que a aldeia
soubesse?
-Pouco provável que fosse uma maga, sendo que seria
necessário um tomo arcano para lançar magias. Essa aldeia é pobre demais e
supersticiosos o bastante para notar um grimório. Feiticeira é mais provável,
mas notou como ela mudou o idioma sem motivo algum? Ela queria nos assustar e
começou a falar em outro idioma.
-Como se fosse uma palavra de ativação! – soltou Lacktum,
batendo uma mão fechada contra a palma da outra, imaginando ter notado algo.
-Palavra de ativação? O que seria isso? – perguntou o já
confuso Thror.
-Quando um item mágico é criado, - começou a explicar Lacktum
– alguns deles simulam efeitos mágicos específicos que são acionados através de
uma palavra. Assim, o efeito surge como se fosse mágica desse usuário. Mas é
necessário muito talento em ludibriar um item mágico, pois alguns ladinos são
conhecidos por usar esses itens.
-Como assim? - perguntou Thror.
-É que só arcanos podem usar esse tipo de item normalmente.
-E eles precisam ser lidos no idioma de seu criador –
completou Halphy.
-Acreditam então... – falou Gor olhando para a jovem.
-Que foi obra de um item arcano. Não de uma magia
propriamente dita. Nosso fantasma é falso.
[1]
Ilha mítica de onde teriam surgido alguns heróis das lendas arturianas, como
Morgana, Lancelot, Merlin e o próprio Arthur. Também seria seu lugar de repouso
final.
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