-Salamaleikum! Meu nome é Naktuh. Fiz um acordo com Azerov para levar
vocês até o Mausoléu das Almas Esquecidas. Tirem as armaduras e as vestes
pesadas, e coloquem as roupas que estão ali.
-Sahib, se quer
aprender... Estude! Não é de sua terra que teria surgido a lógica? Então, é
lógico que se estudar vai aprender tudo o que quer entender.
-Salah
Leikum aventureiros. Cuidem uns dos outros, pois esse lugar é
habitado pelos espíritos de grandes heróis... E grandes vilões.
Nasceu na Inglaterra
E no outra, havia mais uma
inscrição:
Amires das Rosas, barda e encantadora
Grã mestre das Orquídeas Negras
Influenciou de modo definitivo na guerra dos Portai
Infernais
Nasceu na terra de Castela
Sempre que viam uma estátua, nela
notavam as inscrições. E ela sempre continha fatos sobre a estátua, de onde era
e, logicamente, seus nomes. E cada uma mostrava em sua pose seu ofício ou
profissão, sendo que assim era possível notar o que faziam em suas vidas. Mas
seus rostos mostravam um ar de dignidade, glória e honra. Eram heróis acima de
tudo.
A última estátua estava na frente do
mausoléu. Era possível ver a imagem de um cavaleiro poderoso, segurando uma
espada longa. A inscrição, dessa estátua era:
Kalidor Hein Hagen, guerreiro e espadachim
Barão do Lobo Negro e um dos líderes dos Imortais
Esquecidos
Mestre de Murak e que teve como esposa Shizuko
Nasceu na Inglaterra
Lacktum olhou este último com
curiosidade. Ele tinha mais poder do que qualquer outro que estava ali era
possível notar isso pelo porte daquela estátua. Ela não emanava poder arcano,
mas parecia muito mais poderoso que o próprio mago, que controlava a magia, era
engraçado pensou ele, um guerreiro ser mais poderoso que um arcano. Mas barão
do Lobo Negro... Isso incomodava sua mente. Onde já viu algo sobre esse barão e
suas terras?
Enquanto olhava para a estátua ouviu
um gemido e gritos de alerta. Um membro do grupo passava mal. E caia perto de
uma estátua.
-Gor! – gritou Halphy preocupada com
o inglês – O que houve?
-Eu não sei, - soltou Gor gemendo –
mas estou sentindo muita dor! Uma dor que me fez lembrar... Delfos! Mas...
Quanta dor...
O druida tentava notar o que causava
a dor no corpo de Gor, mas não achava nada. Ferida, mordida, marca de alguma
doença e até mesmo, algo arcano. Nada, nada parecia ser a causa.
-Praga! – gritou Seton.
-Ele já teve isso – se lembrou
Federick – foi em Delfos, lembra? Estava...
O próprio paladino interrompeu sua
fala quando notou que Gor cobria uma inscrição com seu corpo. Quase ninguém a
notou. Somente mais umas das estátuas, todos pensavam, que possuía roupas
antigas dos ingleses. E então, eles notaram o que a estátua tinha de estranho.
Isso talvez explicasse de uma forma estranha e bizarra, as dores do soldado
inglês. A estátua possuía a face de Gor! E então viram o que estava escrito
abaixo da estátua:
Gor,
guerreiro e soldado
Serviu ao Rei da Inglaterra quando esta não se chamava
assim
Nasceu na Inglaterra
Quando eles notaram, por de trás da
estátua de Kalidor Hein Hagen, um homem surgia. Eles notaram que a estátua
tinha traços muito parecidos com o homem que vinha na direção dos aventureiros.
Era como se ela tivesse tomado vida.
Foi quando Lacktum se colocou na
frente do companheiro cheio de dores, tentando o proteger de uma possível
ameaça. Mas era como se uma mera visão dos olhos daquele homem, trouxesse um
golpe até a alma do mago. Ele não precisava sacar a espada na cintura para
derrotar o mago em alguns instantes, ele tinha certeza disso. Ele realmente não
possuía nenhum poder arcano em seu corpo, só em suas armas. Só se sentiu tão
inútil antes quando enfrentou o desconhecido na Grécia. Era o confronto visual
ente um deus e uma formiga. Foi então que o jovem soube o que era um homem com
força e poderes épicos.
-Ora, - soltou o homem – também esta
sentindo isso Gor? Faz tanto tempo que não sabia mais o que isso significava...
Dor... Muito tempo mesmo.
-Quem é ele? – perguntou inquisitivo
Seton a Gor – Como lhe trata intimamente? E o que ele esta fazendo nesse
mausoléu?
-Gor não contou não é? Eu imagino –
falou passando a mão no rosto – que você não o fez, pois os ama demais.
Acredito que esse foi o motivo.
Gor gemia cada vez mais de dor
-Pare com essa conversa toda –
exigiu o furioso Lacktum – e revele logo o motivo dos rostos de Gor e o seu
estarem nas estátuas. Se bem que desconfio de algo.
-Ora Van Kristen. Notou o óbvio!
Meus parabéns! Mas é claro que não foi só você que notou isso – falou isso,
olhando para Halphy – não é minha jovem?
-Lógico - falou em resposta a ladina
– mas e a dor de Gor?
-Logo veremos isso, mas acho que Gor
suportará isso. Não vai ser mortal. Mas uma coisa: sabem o motivo de estarem
aqui? O verdadeiro motivo de estarem aqui? O motivo pelo qual o Irmão Destino
ter os trazido, todos, até esse lugar no tempo e no espaço?
-Como assim? Espaço? Destino? Tempo?
Que brincar - começou Lacktum nervoso quase preparando uma magia– mas esta
usando o momento errado.
-É isso mesmo Lacktum – apoiou
Thror.
Foi então que, da capa que o
estranho colocava de lado, surgia à forma de uma bainha e uma nova espada. Era
possível também ver a armadura de cor negra que combinava com os seus cabelos
de cor ébano. Ele sacou a espada e a pressionou contra o chão com tanta força
que dentro de toda aquela penumbra, pareceu um relâmpago.
-Silêncio! Todos – exigiu ele –
silêncio absoluto!
-Esta bem – soltou um Thror meio
perdido e amedrontado.
Era como se um terremoto tivesse
passado por todos, porém o cavaleiro de armadura negra nem o sentiu. Ele o
causou. O único que não se preocupava com isso era Gor, que tentava dominar sua
própria dor.
-Então olhem para aquela estátua.
Especialmente você Seton – falava isso, apontando para a figura.
A figura era enorme e usava roupas
que mais pareciam as de um escocês. Além disso, em cada mão portava uma
machadinha. E uma inscrição estava abaixo dela:
Galtran Coração Prateado, bárbaro, batedor e druida
Líder do Vale das Esmeraldas e do clã Coração Prateado
Irmão de Half e originou Nemesis
Nasceu nas Terras Altas
Seton
notou o que ele queria, quando falou sobre a estátua. Coração Prateado era um
druida que, diziam as lendas, ensinou novas magias aos servos da natureza e a
todos aqueles que tinham descendência céltica. Seton sendo inglês ouviu muitas
histórias sobre isso. Como quando um espírito demoníaco se instalou em seu
corpo e a vitória de Galtran sobre a criatura abissal. Ou quando feriu o olho
de um dragão que se cobria com as esmeraldas encontradas em seu vale. Ele foi o
maior praticante da Arte dos druidas na Inglaterra e na Escócia. E de certa
maneira, os mestres de Seton sempre o citavam em seus ensinamentos.
-E você Lacktum, olhe esta aqui.
Quando notou, viu um cavaleiro em
uma armadura completamente pomposa, entre as estátuas. Lacktum já sabia quem
era, pois notou o brasão Van Kristen. E sentiu ódio daquele homem.
Guilherme Van Kristen, guerreiro e lanceiro
Comandante das tropas do Lobo Negro e guardião do Baronato
Nasceu na Inglaterra
-Esse maldito – falou o arcano – é
meu ancestral e a causa de meu pai ter desejado que eu fosse cavaleiro. Para
não negar seu desejo – falou isso, olhando para baixo – como se uma lembrança
amarga surgisse em sua mente – enquanto ele esteve vivo treinei para isso.
O estranho apontou em direção à
outra estátua. Na verdade, para duas. Primeiro a de Agness e para Meron. As
inscrições nela continham:
Meron feiticeiro de sangue celeste
Arcano de grande força meta-mágica
Nasceu nas Terras Altas
Agness foi uma lenda entre os
ladinos, enquanto Meron era um renegado, mas poderoso entre os feiticeiros.
Ambos eram pessoas que fizeram as lendas que lhe contavam quando criança. Mas
Agness foi amiga de sua avó, pelo que sua mãe falava.
-E você paladino. Olhe para aquela
estátua.
Quando notou, viu que como a estátua
de Galtran e Kalidor, essa estava quase no final do corredor.
James Gawain, paladino, templário e cavaleiro do cálice
Barão do Lobo do Norte e Grão mestre secreto dos
templários
Mestre de Kender e marido de Tallyana
Nasceu na Inglaterra
Federick descendia de uma ordem de
cavaleiros treinados por Kender, discípulo de Gawain. Na verdade havia um
comentário que seus filhos teriam se tornado reis em terras distantes de nosso
mundo. Mas como tudo eram lendas. Pelo menos eram lendas antes.
-Todos vocês descendem de um ou mias
Imortais Esquecidos. Heróis e vilões, que surgiram um determinado período de
cinco séculos após a morte do Messias católico. Que enfrentaram demônios e
deuses antigos, na atual ilha denominada Inglaterra. E que surgiram séculos
depois para enfrentar um novo mal que era contido deles mesmos. Isso que os fez
sair do reino dos mortos, foi uma benção: os trouxe para a vida, mas os forçou
a uma imortalidade condenada. E então nós vivemos tentando encontrar um modo de
acabar com esse martírio. Entenderam o que digo? Vocês foram envolvidos nessa guerra, não seus
por motivos pessoais, na verdade eles se entrelaçam com o destino de algo muito
maior. Criando um paradoxo que notaram mais para frente, se alcançarem um grau de
poder bem elevado. Como o nosso. Não é mesmo Gor? Ou ele não contou a vocês que
viveu num período logos após o domínio de Roma sobre todo o mundo conhecido? Alguns anos ou séculos
depois eu acho. Nem que ele havia ressuscitado a ele, para enfrentar o ma? Nós
somos os Imortais Esquecidos! Meu nome é Kalidor Hein Hagen, barão do brasão do
Lobo Negro. Guerreiro e espadachim de primeira grandeza que se casou com minha
eterna companheira Shizuko. E este que anda entre vocês, também foi um membro
do nosso grupo antes de minha entrada. Gor, um soldado de um período esquecido
pelos ingleses.
Todos se sentiram completamente
estupefatos com a revelação do guerreiro. Ele viveu num período de heróis e
lendas, e talvez ele tenha constituído boa parte delas. E Gor, um companheiro
supostamente valoroso, era bem mais que isso.
Enquanto isso, Thror soltava uma
brilhante pergunta:
-Quem é você?
Lacktum parecia atordoado com todas
essas revelações. Nem notou o rosto confuso da jovem Halphy, completamente
atônita. E como sabia, isso significava que nem ela acreditava o que ocorria
ali. O que não poderia ser verdade, na verdade era. Ninguém poderia forjar
aquela situação. Ninguém poderia forjar aquela verdade.
-Você veio fazer o que aqui? –
perguntou Lacktum, mantendo o controle.
-Vim rever meus companheiros. Os
dois que dormem foram os que mais marcaram minha vida. Ele, Wiegref, foi como
um irmão para mim e ela...
Ele se calou e olhou ao lado, com um
olhar triste, mas apaixonado na direção de uma das estátuas. Lacktum entendeu
que uma paixão entre a modelo daquela estátua e o guerreiro de armadura negra
já existiu.
-Independente, - continuou o
poderoso Kalidor – são vocês que terão que cuidar desse problema. Vocês terão
que proteger esse futuro.
-Mas então nos ajude! – disse Halphy
inconformada – Você tem poderes que superam a nós todos!
-Não posso nem devo fazer isso. Pois
essa luta não é mais minha. Com o tempo, entenderam isso... E não quero perder
mais o controle de minha sanidade.
Ele começou a andar entre o grupo,
passando seus olhos por cada um pausadamente. Todos o notavam e sentiam o poder
enorme que ele emanava de dentro de si. Eles sabiam que Kalidor Hein Hagen
estava realmente passando entre eles. E então, ele pousou sua mão direita sobre
a cabeça do mago. E sem o olhar diretamente disse:
-Mas saiba que o destino de vocês é
um só. Parece difícil de compreender agora, mas um dia entenderam.
E quando terminou te disse isso,
Kalidor se moveu e olhou em direção ao pobre Gor. Este continuava com suas
dores, gritando e gemendo com força maior do que qualquer vez que tenha sido
atacado em combate. E Kalidor esboçou uma pequena pontada de dor ao olhar na
direção do velho soldado inglês. Ele se agachou, observando seu antigo
companheiro com olhos cheios de ternura.
-A dor é grande, mas passará. Se
acostume, pois ela diminuirá, eu lhe garanto. Bem... Boa sorte companheiro.
Foi então que Lacktum olhou na
direção do cavaleiro negro com fúria. E gritou:
-Não iremos parar de tentar fazer o
que achamos necessário! Não importa quem teremos que enfrentar! Mesmo que seja
você e todos os que te servem! Eu já perdi muito nessa vida, e não quero saber
qual futuro o destino reserva para mim! Eu quero controlar meu futuro! Meu
destino!
Kalidor olhou com escárnio para o
mago, e em resposta, riu. Por último repetiu:
-O destino é um só.
E saiu da caverna, como se quisesse
deixar os corações mais confusos do que já estavam.
Gor se recuperou pouco depois, não
totalmente, mas o bastante para se levantar e se apoiando no muro ou nas
paredes, chegar à entrada. Lacktum e Halphy discutiam o real motivo de Kalidor
estar ali, mas não entravam em consenso. Ele achava que o cavaleiro estava lá
para trazer confusão ao grupo, já que o pouco que sabia sobre ele, dizia que o
dito cujo, serviu ao próprio Hades. Mas Halphy achava que o problema vinha de
que ele não ofereceu ajuda. Nem nada do gênero para ludibriar eles. Ela achava
que o cavaleiro não estava lá para corromper ou mesmo enganar. Ele queria
auxiliar, mas de que jeito, ela não tinha idéia...
Seton olhou confuso para os dois
discutindo, enquanto levantava Gor. Thror não sabia o que fazia, enquanto
passava a mão na marca em sua cabeça. Federick colocou fim na confusão e nas
discussões.
-Parem com isso! Precisamos
continuar agora que Gor esta melhor, mas não perfeito. Prestem atenção em nosso
amigo
-Mas ele não nos contou toda a
verdade – soltou Lacktum irritado.
Gor com a voz dolorida começou:
-Me perdoem. Não queria influenciar
suas decisões... No que um dia já fui... Ou sou... Só queria que soubessem que
alguém se importa com vocês. E que de um modo ou de outro eu necessitava de
auxílio, afinal, viram o futuro em Delfos alguns, não é? E viram o que havia
embaixo da catacumba em Starten? Não podemos ignorar isso!
Todos se calaram. O lugar frio fazia
o coração daqueles que já foram amigos se congelar e endurecer cada vez mais.
Foi então que Federick abraçou Gor, repentinamente.
-Você é um amigo. Confie em nós e
confiaremos em ti. Pelo menos eu confiarei em você Gor.
Foi então que Lacktum, mesmo com a
máscara macabra, esboçou um rosto de tristeza. O que ele notou se tornava cada
vez mais evidente em sua mente. Ele não entendia os sentimentos dos outros,
pois o ódio o cegava. Só podia reparar que se sua magia era voltada para a
vingança contra o demônio em forma de homem que destruiu o que amava. E as
certezas de antes, naquele instante, não eram mais tão claras.
Federick apoiava o corpo do exaurido
Gor. O paladino apoiava moralmente todos os companheiros do grupo, sempre os
consolando e criticando quando fosse preciso. Mas acima de tudo, era alguém em
quem todos confiavam. Talvez com exceção de Thror.
E com as forças que ainda tinha, Gor
foi o primeiro a entrar no templo. E logo em seguida, todo o resto do grupo o
seguiu.
O mausoléu era parecido com o que
muitos acreditavam ser uma catacumba egípcia, porém possuía traços de uma
cultura grega. Havia sempre colunas que serviam mais como decoração, do que
alicerce, mostrando todo o cuidado do arquiteto. A obra faraônica era tão bem
estruturada que nem precisava de apoio para o teto. Seria uma obra fenomenal,
se não fosse o ar sepulcral e o clima claustrofóbico que ela exalava. E o
engraçado, era notar traços de uma cultura
sidhe sombria.
O grupo entrava com receio, na
escuridão. Mas foi então que Lacktum estalou os dedos, e um brilho de luz se
manifestou no cajado do rapaz. Seton já advertiu todos mostrando que aquela não
era uma catacumba comum. Não viu nenhum dejeto animal ou criatura rastejante de
qualquer tipo. O que lhe causava muito mais medo, do que visse uma serpente
extremamente venenosa. Afinal, os animais sabem onde existe vida.
Parecia que o lugar diminuía
enquanto adentravam mais no mausoléu. Mas
eram sua percepções que diminuíam, quando mais desciam na masmorra
sinistra, criando um medo muito maior.
Foi então que o atento da meio elfa
se fixou ao corredor que se dividia em dois.
-Vejam uma encruzilhada.
-Bem, - soltou Lacktum forçando a
vista – é verdade. A nossa atual rota continua o nosso caminho pelo mausoléu, o
outro desce ainda mais nesse lugar. Acham que devemos seguir qual?
Federick apontou a mão em direção a
encruzilhada, e sentiu que se continuarem no caminho que estavam uma forma de
mal. Mas não como aquelas com que estavam acostumados. Ele sentia a energia
negativa, mas não era só isso
-Cernunnos me faz querer continuar
por esse caminho.
Lacktum olhou para seus companheiros.
E pela primeira vez, depois de tanto tempo com a máscara maldita, ele tomou uma
decisão em prol do grupo. Ele olhou para todos e especialmente para Federick
colocando a mão no ombro, e então disse:
-Sinto que devemos descer. Vamos
explorar o lugar. Se formos até a fonte do mal, agora, teremos problemas para
sobreviver. E temos que nos preparar para qualquer perigo. Se você sentiu,
talvez seja muito poderoso para enfrentarmos.
-Concordo – falou Halphy.
-Não irei – disse Federick.
-Como? – se espantou o mago.
-O que vocês ouviram. Não vou fugir
do mal, vou ao seu ao encontro. Enfrentar o perigo esteja ele perto ou longe.
Não estou indo contra ti Lacktum, afinal é um mago, pensa muito mais
estrategicamente. Mas não posso me esquivar disso.
Quando isso foi dito, Thror agarrou
o braço do paladino. O guerreiro santo olhou furioso para o grego, como se seu
olhar fosse uma flecha. E ele acertou o rosto do homem sem memória.
-Vamos logo, - disse Thror debochado
– você não sobreviveria sem nós. Pare de teimosia Federick.
-Ou será – retrucou o príncipe – que
é você que teme morre? Talvez, só talvez, você não perdeu a memória, mas teme
enfrentar o passado, que tal?
Foi nesse momento que o punho de
Thror encontrou a face de Federick. O nariz do paladino jorrou sangue como um
espirro de água. Ele caiu na parede e no chão duro de areia.
-Fale isso de novo seu fresco,
inútil! E enfio suas palavras goela abaixo!
Nesse momento houve um silêncio no
corredor. Todos temiam um confronto entre eles. Só Gor tinha forças para
segurar um dos dois. Porém, teriam homens extremamente poderosos brigando e o
inglês não seria o suficiente para ambos.
Foi então que Gor trouxe uma solução
à disputa.
-Esperem! Deixem comigo e Federick.
Vamos explorar aquela região.
-Mas... – começou Lacktum, antes de
ser interrompido por Gor.
-Não se preocupe arcano, eu o
protegerei. Afinal, ele foi único que se manteve ao meu lado quando Kalidor
soltou que eu mentia para o grupo.
-Esta bem, mas se cuide. Salamaleikuh, Gor.
-Leikuh Salama, meu amigo mago. Vamos
Federick – pegando pelo braço do paladino – vamos logo. Quando mais cedo
partirmos, mais cedo voltaremos. Não é?
-Certo – disse o contrariado
Federick
Thror, ainda não conformado, falou
aos berros.
-Nos ainda acertamos as contas
quando voltar.
-Pode ter certeza disso!
E então, o grupo que era composto
pelo druida, o mago e a jovem ladina, desciam as escadas. Enquanto Gor e
Federick acendiam suas tochas. A luz era tão fraca quanto, as esperanças de
ambos os grupos. Mas não como o brilho do olhar de um paladino. Parecia até uma
estrela. Uma estrela cadente.
Enquanto desciam as escadas Halphy
já sentia a raiva tomar conta de si.
-Lacktum, - disse Halphy – como você
critica Gor por nos esconder a verdade, mas não intercede por Federick? Gor é
nosso líder! Teria que ter mais controle sobre nós.
-Halphy, - respondeu pausadamente –
eu o reprovei por mentir, não por se preocupar com o grupo. E ele o fez por que
achou necessário. Não sei se ele é um bom líder para essa missão de busca pelos
artefatos, mas ele já foi membro dos Imortais Esquecidos. Pode lidar melhor que
nós com alguns problemas.
-Isso não é desculpa, nem resposta
para mim, Lacktum.
-Mas para mim é! E temos que nos
preocupar com o agora. Vejam.
As escadas terminavam em mais um
corredor. Havia uma abertura no meio de mesmo, enquanto no final havia uma
porta grande e de aço, que se diferenciava da construção egípcia. Parecia ser
feita de aço de Damasco e tinha um símbolo que todos percebiam ser dos elfos
negros. Era um coração de prata, que significava nobreza entre os sidhes
sombrios. O que significava que, fosse lá o que estivesse atrás da estrutura de
aço, seria de um eldar monar[1],
de pelo menos uma das casas dessa
sociedade.
Foi Seton quem quebrou o fascínio de
Halphy e Lacktum sobre o lugar, dizendo:
-Por onde começamos?
-Vamos ver o que existe naquela
entrada sem porta, primeiro? – falou Lacktum.
-Tudo bem, destemido líder.
Foi então que Lacktum notou que
quando Gor se ausentava, era ele que fazia às vezes de líder. Ele tomava as
decisões, olhavam nele alguém que controlaria os ânimos dos exaltados. Mas não
era hora para se concentrar nisso.
Quando entraram, viram uma sala
preparatória para atos fúnebres. Isso era claro no ar e no aspecto do lugar.
Havia uma mesa aonde deviam depositar os corpos e usar óleos e as ervas apropriadas
para a conservação dos mesmos. Diferente da cultura egípcia, os órgãos não eram
extraídos, isso era notável. Era possível reparar nisso, pois não havia vasos
fúnebres, nem sequer uma forma de guardar os restos mortais dos cadáveres.
Realmente, aquele lugar não possuía só características de povos egípcios e
gregos.
Ao fundo, um grande córrego de água
surgia de uma construção tubular aberta, com uma imensa abertura. A água
límpida - e ao que parecia - fresca, corria com muita força. Era notável, para
o druida, que a nascente não estava nem muito perto nem muito, longe deles. Mas
por precaução, que os fez sobreviver até agora, eles não pularam diretamente
até água. Mesmo que a sede falasse mais alto em suas gargantas.
Foi então que Lacktum notou algo
surgindo por de trás da mesa. Parecia com um chifre. Mas mesmo sabendo que um
animal desse tipo não existia naquele deserto, - com o pouco conhecimento
natural que tinha – ele não temeu muito por isso. Ele começou sim, a temer,
quando viu o tal chifre se mover para diferentes posições e notou que eles eram
na verdade um apêndice cefálico. Seton se aproximava com a foice na direção do
ser, quando o mago concluiu o que era aquilo.
-Saia de perto dessa mesa Seton! –
gritou o mago inglês.
Mas era tarde: a criatura visou o
druida. Criatura essa que lembrava mais uma mistura de besouro com formiga. A
bocarra possuía formas parecidas com presas, que se confundiam com a enorme
carapaça. E as patas eram usadas como modo de manter em pé atacando Seton, como
se fosse uma criatura bípede.
E o enorme inseto não atacava o
corpo do druida, mas sim sua arma. Ele tentava devorar a enorme foice de Seton.
-Ah, seu maldito! – falando isso,
Seton retirou a foice das costas.
-Seton! Não! Ele se alimenta de
metais! – gritou Halphy.
Nesse momento, Seton reparou o que
Halphy quis dizer: o monstro não queria atacar realmente Seton, mas sim devorar
sua arma. Foi então que Lacktum notou que a criatura deveria ser um Devorador
de Metais. Elas são criaturas que dissolvem os metais das armas ou de qualquer
item feito por esse material.
-What can I punish my opponents magic. Let them feel
the pain of my flaming Art.
E
então, um chicote de energia surgia em pleno ar, graças a um gesto de mão de
Lacktum. E como se fosse um domador de feras, fez então o inseto recuar.
-Magia nova? – questionou a
perceptiva Halphy.
-Sim, ganhei de presente do Azerov!
Foi então que Halphy moveu o braço
para apontar sua besta contra a criatura, que saltou num ataque. O golpe teria
sido certeiro, porém, a carapaça interrompeu o trajeto do virote. Mas isso foi
o suficiente para Seton. Ele aproveitou para atacar, o que seria a cabeça do
inseto. Mesmo assim, isso não o deteve.
Ele subiu sobre o corpo de Halphy
repentinamente. Ele expelia um ácido que só afetava metais porem, não deixava
de ser assustador.
-Sai daqui nojento!
Em um instante, a criatura se fixou
em uma faca que Halphy portava na cintura. E nesse momento ele atacou sua arma.
Com um rápido bote, o monstro devorou a arma da ladina.
-Seu...
Nesse momento, Seton tentou atacar
novamente com a foice. Foi bem sucedido contra o devorador de metais.
Lacktum tocou um bracelete que vinha
usando desde que partiram da torre de Azerov. Quando ele fez isso soltou uma
palavra de comando.
-Burn!
Nesse momento, o mago criou um novo
chicote de chamas. O golpe foi fulminante para o monstro. Ele queimou tanto,
que se encolheu até sua carapaça se desfazer, enquanto se envolvia em si mesmo.
No intervalo desse tempo, Halphy
saia desengonçadamente de baixo da criatura que a cobria. Enquanto se ajeitava,
tirando toda a sujeira que caiu sobre si, ela parou repentinamente notando
algo.
-Aaaaah! – gritou em pânico a meio elfa.
Todos olharam preocupados. Seton já
iria preparar a magia de cura, quando notou que não havia ferimento algum no
corpo da jovem.
-Você esta bem! Então o que te fez
gritar? – exigiu o druida.
-Minha adaga! Aquela coisa devorou
minha arma.
Todos olharam com um rosto nervoso
para Halphy. Ela então olhou para o lado, fez um bico emburrado e disse:
-Esta bem! Eu paro de reclamar. Seus
chatos...
Do nada então, se ouve outro grito.
Um grito de dor.
-Agora não foi meu grito...
-Lógico que não foi você Halphy –
interrompeu Lacktum – veio lá de cima sua tola.
-Deve ter sido Gor ou Federick!
Vamos, temos que os auxiliar! – soltou Seton.
Thror então sentiu um aberto no
coração. Uma sensação que mesmo não tento presenciado muitas vezes, sabia
distinguir muito bem. Aquilo não era nada bom.
Antes disso, os dois encontraram um
corredor amplo. Pensaram até mesmo em procurar armadilhas, mas preferiram
correr em direção ao seu final. Se fossem pegos no caminho, seria um azar que
suportariam correr. E também, Federick não voltaria pedindo ajuda ao grego.
Fazia poucos instantes, havia brigado
com o guerreiro sem memória e se não se arrependia nem um pouco. Não se
deixaria vencer por um sentimento de desculpas. Os paladinos possuíam todo tipo
de virtude, mas um de seus maiores pecados se referia ao orgulho. Mesmo
servindo a um deus como Cernunnos, faltava a Federick o discernimento desse
defeito com honra.
O paladino já havia sido ferido por
uma pequena flecha. Isso ocorreu, pois não tinham cevado com eles, Halphy a
especialista em armadilhas. Outra prova que o orgulho era mal conselheiro. Pois
a flecha havia ferido seu flanco e ele ainda não havia notado um líquido escuro
que saia da pele.
Depois de tanto correrem, chegaram
ao final do caminho. Então notaram que havia um salão circular com alguns
itens, mas o que chamava a atenção mesmo era um enorme sarcófago. Apesar de
possuir claros traços egípcios, o caixão arcaico também possuía marcas do elfos
negros, o que mostrava traços daquele povo. Havia no lugar uma forte luz, que
com certeza provinha de magia. Ela criava vários tons de luz. E o que traria
uma atmosfera mais alegre, na verdade trazia uma cena sinistra aos olhos dos
companheiros.
-Veja – disse Gor apontando para o
sarcófago que ficava de pé, próximo da parede. Atrás dele, surgiam alguns itens
de prata e cobre brilhando com intensidade. Mas um dos itens brilhava mais que
tudo naquele lugar. Uma lamina de prata com grandes poderes. A espada do
Cavaleiro de Platina estava ali.
-Achamos Federick! – disse empolgado
Gor – Mais um dos itens do conjunto! E pelo jeito deve...
-Calado Gor! Não vê que algo esta
errado? Tudo parece fácil demais.
-Como assim? Não é bom desse modo?
Federick olhou com reprovação para
Gor. Sentiu como se falasse com Thror. Ele reparou nas atitudes um tanto
infantis do guerreiro inglês até hoje.
-Ainda não entendeu? Você é mais
experiente do que eu. Esse lugar deve ser protegido por algo ou alguém. E...
Quando iria terminar a frase,
ouviram um barulho. Era como se o som surgisse de um lugar onde não entrava ou
saia por eras. A madeira crepitava com força, mas muito lentamente. Foi
possível notar que o sarcófago se movia, mostrando várias teias de aranha nos
vãos do túmulo. Os insetos fugiam daquele lugar em um enorme enxame que eles
acreditavam que iriam atacar. Mas não chegaram próximos a Gor ou Federick. As teias
eram a única coisa que mantinha a tampa ainda ereta. Então, sem aviso algum,
até ela caiu.
O que se revelava era uma figura
sombria, tanto pelo tempo que ficou encarcerado no sarcófago, quanto pela luz
sombria que tocava todo o salão. Além do tom de pele negro como o carvão que
antes possuía, quando havia vida de verdade em seu corpo. Sua estrutura
corporal estava toda jogada para frente, com a perna e o braço esquerdo
colocados mais a frente, como se tivesse preparado para um ataque. A cabeça
abaixada deixava os cabelos mumificados à plena vista e impedia a visão dos
olhos da criatura. De repente, era possível notar, onde deveria haver globos
oculares, se revelou um vazio pleno e mórbido. E abaixo aonde deveria ficar os
olhos, uma bocarra cheia de dentes surgiu. Depois de certo tempo, foi notado
que o tom de pele era realmente de cor negra, com traços élficos. A mumificação
no sarcófago preservou esses traços.
-É um elfo negro – soltou o paladino.
-Parece um que servia a Kana, -
começou a explicar o guerreiro inglês – antigo príncipe dos elfos negros. Na
verdade, que serviu Edgar, seu filho. Veja as roupas. Parece um soldado.
-Pare de admirar um adversário e
comece a atacar o monstro! Ele nem está vivo! É uma aberração contra a
natureza!
Foi quando a criatura se levantou
tão rápido que se ouviu um estalo pelos ossos da múmia do elfo negro. Ele
levantou a cabeça, com o lugar onde deveria haver as orbitas voltadas para os
dois oponentes fortemente armados.
Estes se posicionavam como exímios
guerreiros que eram. Federick estranhou a pose de Gor. O modo de se colocar no
combate não parecia o de um guerreiro comum. Ele ouviu muito sobre esse modo
manipular arma dos orientais, mas nada disse.
-Sou um servo das vontades divinas
de Vossa Majestade, Felkarion Coração de Prata, antigamente chamado pelos
homens comuns de Edgar Felkar. Saiam dessa sala como entraram. Pouparei vocês e
qualquer um que tenha entrado nessa alcova. Mas somente se saírem imediatamente
desse lugar sagrado. Seus pés não são dignos de entrarem nesse lugar, pois seus
corações não são verdadeiramente puros, apesar de possui um Imortal entre
vocês. Essa é a ultima chance que lhes cedo – falava isso enquanto apontava com
seu decrépito dedo para Gor e Federick, num arremedo de posicionamento contra
eles.
-E então? – perguntou entusiasmado
Gor e Federick – O que acha? Vamos embora ou ficamos?
-Ele é uma criatura que não possui
alma, - afirmou o paladino – é obvio que devo a destruir. Se não quiser vá
embora.
-Se eu disse que iria acompanhar você,
vou fazer isso até na morte.
-Vindo de um imortal isso soa até
engraçado.
Foi então que Gor notou que o jovem
paladino entendeu muito bem que os Imortais Esquecidos não era só um nome. Eles
realmente eram imunes ao dedo frio da morte. Mas não era momento de admirar a
perspicácia do paladino.
A múmia élfica começava a andar na
direção dos companheiros.
-Que assim seja feita a vontade de
vocês... – disse então a criatura mumificada antes de partir para cima do
pescoço de Gor.
Todos subiram até o corredor onde
viram seus companheiros pela última vez. E eles sabiam que alguém poderia ter
morrido. Os quatro não imaginavam o que enfrentariam mais a frente, mas sabiam
que deviam proteger seus aliados. Thror era o mais influenciado com tudo isso.
Agora o pobre grego se sentia
culpado pelo que poderia ocorrer com o paladino. Ele era chato, mas sempre
confiável com sua lamina do lado dos deuses célticos. Sempre cobrando, sempre
teimoso, só que Thror nunca notava que sempre agia na mesma proporção de Federick.
O guerreiro sagrado agia de acordo com as besteiras do grego. Ele talvez fosse
o irmão mais velho que talvez ele nunca tenha dito.
Os corações batiam enquanto
percorriam o caminho. Lacktum não estava nervoso, mas sentia que algo errado
estava para acontecer. O mago não parecia se importar por perder companheiros,
e sim por perder pessoas para sofrer ataques por ele.
Seton e Halphy não eram tão cheio de
culpa como Thror, mas também não conseguiam se tornar insensíveis, como o mago.
E como companheiros, eles deviam ajudar Federick.
Os passos eram acelerados.
Percorreram o caminho como se suas vidas dependessem disso. E era como pensava
a maioria, pois seus amigos eram pedaços de suas vidas. Mesmo que alguns nunca
admitissem.
Foi quando Halphy gritou.
-Estou vendo uma luz mais a frente.
Todos acreditavam ter chegado a
tempo.
O mago já colocava em sua mão uma
grande porção de mana. Um brilho translúcido criava pequenas setas metamágicas.
Halphy colocava a besta de mão mais para frente de seu corpo como se a arma
servisse também de defesa. Seton colocava sua foice enorme de lado como se
estivesse preparando um golpe. E o grego chegava por último. Sua arma saia da
bainha nas costas com mais pressa do que normalmente fazia.
Foi então que todos viram o que
ocorria corretamente naquele sepulcro: o guerreiro Gor, se apoiava na lamina
mágica, estendendo sua mão enquanto soltava um grito rouco de horror. Ao menos
ele não estava muito distante da entrada onde se encontrava o grupo.
Já Federick estava na frente de um
ser de cor negra com poucas vestes, que o estrangulava com muita força. Ele se
debatia com tudo que tinha. Até que a força cessou.
Os dedos se desvencilharam do
pescoço, mostrando um corpo inerte e sem aspectos de vida. Era como se Federick
caísse como um boneco lentamente diante dos companheiros. Quando chegou ao
chão, foi possível ouvir um som triste, enquanto fazia a poeira levantar. E não
era preciso verificar o corpo. Todos sabiam o que ocorreu.
Federick de Salles, paladino e
príncipe morreu.
Thror levantou a espada longa com os
olhos cheios da fúria espartana que jurava possuir. Ele esqueceu completamente
a posição de defesa. O rosto com a marca de um ferimento misterioso traria medo
para todos que o vissem naquele momento. Sua boca parecia a de uma fera que
protege o ninho com toda a sua ferocidade. O ataque seria mais letal do que
jamais os membros do grupo teriam visto. Se houvesse um ponto vital, a criatura
não estaria de pé, isso era certeza.
Mas mortos não sentem dor.
O corpo de criatura estava cheia de
feridas do combate com os dois guerreiros. Mas parecia que os cortes sofridos
pelo corpo, não significavam nada para o ser mumificado.
Lacktum começou a criar uma esfera
de fogo na direção do monstro. Quando o mago, o golpe arcano de chamas, afetava
a múmia com pouco efeito. E mesmo assim, a criatura élfica não estava
inabalável. Era notável que o monstro estava caindo.
Isso ocorria pelos insensatos e
descoordenados golpes do grego Thror. Cada lamina vista contra a luz sinistra
era uma ferida no corpo do monstro. Se houvesse sangue nele, jorraria como um
rio. Os golpes no que teria sido o peito dele em outra vida eram os mais
certeiros, abrindo buracos do tamanho de braço. Isso quando os ossos não eram
completamente triturados. Mas a única ocorria realmente era que partes do corpo
do morto vivo saltavam a cada golpe.
Por culpa do monstro, eles perderam
um amigo e perdão não era possível naquele momento Halphy se derretia em gritos
de desespero, mas sem derramar lágrimas. Para uma mulher ela sempre se mostrava
forte, na maioria das vezes. O druida Seton não sabia o que fazer em relação ao
corpo do jovem paladino. Lacktum continuava atacando, mais como prevenção, do
que para eliminar o monstro. Só Thror atacava sem consciência, furioso,
praticamente um demônio. Mas até um demônio erra.
O golpe foi falho. Deixou uma
abertura na defesa do grego. Ele que sempre lutou de guarda alta, agora era um
alvo excelente. As garras do ser tocaram o pescoço de Thror. Ele já sentiu um
golpe maior de dreno de energia física na Grécia, mas agora se sentia exausto
pelos consecutivos ataques ao monstro. O que o fez, baixar sua guarda pela
primeira vez, num combate contra uma criatura semi-humana. Quando estava tão
perto de conseguir a derrota do inimigo.
Enquanto a múmia esganava o pescoço
de Thror, era possível sentir o hálito podre que séculos encarcerado num
sarcófago tornavam insuportável. O hálito da morte pensou o grego. Afinal, ele
morrer por quase deixar que sua impaciência superasse o vínculo da amizade
entre ele e Federick. Era um preço pequeno a se pagar pela tolice que cometeu
momentos antes. O paladino nunca fez nada contra ele. Qual o motivo de suas
desavenças? Nunca havia um.
Foi quando um raio fumegante atingiu
o peito do monstro. O golpe passou como uma flecha que trespassa um alvo
completamente imóvel. O corpo do monstro, lentamente, caia em direção ao chão,
enquanto soltava o grego. Quando Thror virou o rosto em direção ao seu
salvador, viu que Lacktum soltava mais um pequeno dardo de energia mística. Por
alguns instantes, não houve nenhum som nem movimento naquela sala.
Todos chegaram até o corpo do
paladino, sofrendo pelo amigo perdido. Seton usava magias de cura inutilmente
na tentativa de reviver o companheiro. Thror se afastou até a entrada por onde
teriam chegado, chorando sem parar. Lacktum, impassível e frio, foi até o corpo
da múmia.
Examinando o corpo do monstro, um
coração coberto de prata. Ele parecia pulsar mais por magia que por vontade
própria. Ficava no peito da criatura que se abria com uma ferida. O item
emanava energia por todo o corpo do monstro, como se fosse alimentado pelas
energias necromânticas que existiam no lugar. Aquele era um item incomum. Ele o
tomou e viu que parecia ter uma inscrição nele. Coração de Kana.
A ladina foi mais fria que qualquer
um e foi atrás da lâmina, que só notou depois do que ocorreu com Federick. Eles
haviam mais um dos itens dos conjuntos malditos. A espada do Dragão de Platina
estava em suas mãos.
Eis que de repente surgiu do meio do
salão, quebrando o silêncio, uma criatura translúcida com roupas antiquadas de
sacerdotisa. Se não fosse pelo lugar mórbido e pelo aspecto élfico, alguns
pensariam que aquilo era o que os católicos chamam de anjos. Lacktum e Seton,
então notaram que se tratava de um poderoso espírito desencarnado. O vestido
espectral tremia, enquanto flutuava, pouco acima do chão. O olhar da mulher e
suas vestes, mostravam que quando viva, foi uma sacerdotisa de cabelos longos –
mesmo para uma elfa – e grande piedade. Além disso, suas vestes traziam
símbolos de cobras, o que mostrava que era uma clériga dos elfos negros.
Antes que reagissem de forma
agressiva, ela começou:
-Não temam meus jovens. Estou aqui
para conceder ajuda espiritual ao teu amigo. E uma maneira de aquecer os
sentimentos daqueles que não partiram. Tragam o corpo do guerreiro sacro.
Foi então que Thror carregou o corpo
do paladino. Ninguém desconfiou da aparição, talvez, pelo ar de sinceridade e
veracidade que ela trazia o lugar mórbido toda vez que ela proferia suas doces
palavras. Seu espírito criava uma área de bem estar para todos, mesmo com a
terrível perda que acabaram de ter.
Eis que a sacerdotisa fantasma
começou a se mover em direção do caminho anterior dos aventureiros. Continuou
por esse caminho que eles ainda não haviam desbravado. Passaram por onde
tiveram o combate contra a aberração que consumiu a adaga de Halphy. Alguns
ficaram pensando em como tudo poderia ter sido diferente. Thror era quem mais
segurava o choro, isso ficava claro.
O espectro da sacerdotisa encaminhou
todos ao fim do corredor. Quando entraram naquele lugar, notaram que lá era uma
catacumba. Isso era claro pela grande quantidade para vagas para corpos, como
um dos sepulcros usados para colocar os corpos dos sacerdotes católicos na
parede da estrutura. No meio do lugar havia dois sarcófagos de pedra com
símbolos e algumas escritas. A sacerdotisa espiritual ficou na frente de um
artefato com aspectos religiosos dos elfos negros. Era uma serpente bem
trabalhada, com um cajado enrolado em seu corpo. O cajado se apoiava no chão
por uma haste. Era possível ver dois códices próximos do cajado, ao qual o
espectro disse que deveriam ser pegos para ajudar na jornada dos jovens.
Nos sarcófagos, estava escrito o
seguinte:
Aqui repousam Wiegref Hinagawa e Kayla Sabá
Guerreiros de uma época e período que estão perdidos na
memória da humanidade
Em nossos corações serão sempre imortais
Foi quando a sacerdotisa olhou para os aventureiros e apontou
um dos espaços vagos na parede da catacumba. Thror então notou o que teria que
fazer. Já era tempo de disser adeus ao paladino.
-Vamos levar o corpo de Federick de volta a Azerov. Talvez
ele... – começou o jovem mago inglês. Foi interrompido por um forte, e severo
Gor.
-Por qual motivo? Para levar um corpo sem vida e permanecer
assim? Azerov pode ser poderoso, mas não entende sobre os segredos de além da
morte. E mesmo que fosse um sacerdote com tamanho poder, não compete a nós
decidir sobre a vida e morte nesse grupo. Sei muito bem, pois tive uma vida
inteira para saber sobre isso. Só aqueles que intercedem por nós diante os
deuses, podem, ou tem poder sobre as almas. Isso acontece, pois, este dever e
direito essencialmente só poderia ser de sacerdotes. Ou melhor, das divindades
que servem. E disso eu entendo muito bem.
Ao falar disso, Gor soltou um suspiro melancólico. Lacktum
desprezou as falas do inglês imortal com uma feição de ódio abaixo da máscara.
Halphy então falou
-Não estou entendo suas atitudes ultimamente Lacktum. Há
momentos em que se preocupa conosco, outra nem tanto. Mas nesse momento sei
como pensa. É difícil o adeus.
Gor então começou a proferir em forma de canção:
No alto vejo meu pai.
No alto vejo minha mãe.
No alto vejo meus irmãos e irmãs.
Vejo todos que antecederam a mim e a eles, desde o inicio.
Pedem que assuma meu lugar no salão dos guerreiros de Odin, onde
tomamos o hidromel dos deuses e viveremos para sempre.
Enquanto Gor cantava essa música, repetidas vezes, Thror
depositava o corpo do antigo amigo em um das áreas vaga no sepulcro. E foi
então que o grego falou baixo próximo do corpo como se fosse um sussurro ao
espírito:
-Adeus paladino.
O grego então se voltou para a sacerdotisa e pediu que ela
cuidasse do corpo do antigo amigo.
-Não se preocupe homem das terras de onde Herácles é o
ancestral. A criatura que acabou matando seu companheiro paladino é na verdade
um guardião, um ser que não será destruído com meros golpes mortais. E não foi
erro dele se o amigo de vocês morreu. Existo nessas tumbas por vários séculos e
vejo tudo que ocorre nelas. Seu amigo morreu por orgulho e seu senso de
justiça. Em um combate, isso deve ser esquecido e ignorado. Existem muitas
vidas em jogo para se preocupar com seus sentimentos mais baixos. Espero que
todos tenham ciência disso, pois caso contrário, só irão conseguir um fim igual
ao dele.
Thror saiu das catacumbas com pressa e com um rosto mais
rígido do que já possuía. Esse era o modo espartano de demonstrar seus
lamentos.
Cada um deles deixava pouco a pouco aquele lugar. Seton
olhava para o chão o tempo todo enquanto saia daquele lugar. Halphy não
conseguia mais deter seu choro, apesar de sempre deixar sua pose de forte falar
mais alto. O mago e a ladina meio elfa levaram os dois livros que possuíam os
títulos de A Saga dos Portais Infernais e
A Saga das Esferas Negras. Gor saiu
em seguida deixando como ultimo naquele lugar o mago inglês. Enquanto saia, as
luzes do corpo translúcido sumiam apagando aquele lugar. Eles conseguiram o
artefato, mas deixaram para trás uma história. Um príncipe que nunca será rei.
Saíram da cidadela escondida no deserto para encontrar
novamente Naktuh. E poderia vir, até mesmo na escuridão, os rostos pálidos,
tristes e derrotados de todo o grupo. Ele não entendeu o motivo daquilo, até
notar o óbvio. Até mesmo pensou em perguntar sobre o que havia ocorrido, mas
ele sabia que o deserto pode ser cruel com aqueles que não conhecem suas
regras. A sobrevivência sempre será dos mais fortes... E dos mais sábios,
pensou ele.
Lacktum chegou próximo de Naktuh, onde começou a agradecer o
oriental. Todos começaram a imitar o mago.
-Muito grato, mas, - falou Naktuh em resposta – não fiz nada
digno de nota. Voltem até Azerov e digam que sinto saudades daquele ancião tolo
e sem graça, que viaja pelo mundo. Certo meu jovens. E não se preocupem com o
amigo de vocês. Onde sua alma estiver sua estrela vai o proteger, todos os
dias, dos males da alma. Acreditem em mim.
-Suas palavras são reconfortantes – falou Gor, pousando sua
mão sobre o ombro de Naktuh.
-Mas nem tanto – soltou venenoso, Lacktum.
-Lacktum! – repreendeu Halphy.
-Qual o problema?
Todos olharam com raiva para o ruivo. Ele ignorou os olhares
de Gor, Halphy, Thror e Seton. Fazendo isso, tirou uma pedra que tinha debaixo
da roupa. Azerov havia deixado com Lacktum, uma pedra de Ixxanon. Era como
iriam retornar.
-Parem de me perturbar e se aproximem de mim. E por enquanto
nenhuma palavra sobre o que aconteceu com ele!
Todos que estivessem próximos da pedra de Ixxanon seriam
transportados imediatamente pelo espaço e tempo. Seria como fizeram antes, mas
agora seria uma trilha de volta. Isso ocorria pela Arte e o poder arcano
contido na pedra.
-Para sahib,
existe uma palavra que Alá ensina a todos aqueles que o escutam.
-Ah é? – disse Lacktum enquanto se concentrava na palavra de
ativação – E qual é?
-Maktub.
Está escrito. Tudo na sua vida esta escrito. E predestinado a acontecer.
Lacktum o olhou com seriedade. Já ouviu isso antes. Mas não
se lembrava no momento de onde.
-Todos prontos? Mesmo que não estejam... Return!
Eles sumiram na frente da Naktuh. Se não fosse pelas marcas
de suas pegadas na areia, poderia até mesmo se acreditar que fosse tudo uma
ilusão. Mas Naktuh tinha certeza que os únicos que desejariam que tudo fosse
mentira eram os membros do grupo. Assim como ele sabia que as palavras não
vinham de Lacktum, mas de outro.
-Salama Leikuh!
Que Alá proteja suas almas.
E começou a andar pelas areias escaldantes do deserto,
voltando para sua casa.
Quando os aventureiros chegaram á torre, foram recepcionados
por uma torre silenciosa e sem vida. Isso não era comum, mesmo para Azerov. E
isso trazia o medo no coração das almas dos heróis, por algum motivo sinistro.
Parecia que Cernunnos teria abandonado os jovens pela morte de Federick, pelo
menos era o que parecia.
Foi então que o silêncio foi partido com um grito de dor. Não
era possível descrever a intensidade ou de onde vinha o grito, mas era humano.
Pelo menos era isso que parecia.
-O que é isso? – soltou uma assustada Halphy.
Gor e Thror desceram as escadas até o último andar, com
receio que uma desgraça ocorresse. Lacktum e Madelyne foram logo atrás, com um
Seton assustado. Seria hilário ver aquela cena de um homem de olhos arregalados
de medo, com uma enorme foice na mão, se não fosse o perigo real que aquela
torre transmitia.
-Qual o motivo desse medo todo? – perguntou a ladina.
-Medo? – retrucou Seton – Eu? Imagine...
Então qual o motivo das suas pernas baterem tanto uma na
outra?
Seton
então percebeu que o joelho esquerdo, batia no joelho direito. Era verdade, o
druida estava com medo. Morrendo de medo.
-É
obvio que não! Os deuses não abandonam os seus servos nas trevas do medo –
soltou aborrecido Seton.
-Vocês
de cima! – gritou Gor.
-QUE
FOI!? – gritou com medo, em resposta, o druida.
Lacktum
e Halphy olharam para Seton. Ambos tinham um tom sarcástico no rosto, até mesmo
o mago com rosto coberto pela máscara. O druida não enganava ninguém. Todos
sabiam que Seton latia bem mais do que agia.
-Desçam
aqui! Temos problemas! – continuou Gor.
Os
três desceram até onde estava a voz do guerreiro inglês. Quando lá chegaram,
viram uma cena bizarra. Hugo e Richard caídos no chão. Madelyne extremamente
ferida. E por ultimo Gor e Thror segurando o dono da torre, que parecia
ensandecido. Era quase noite e as sombras dominavam o local.
O
mago ruivo pegou sua adaga rapidamente. Ele pede ao grego que segurasse Azerov.
Esse se debatia e contorcia como alguém sofrendo com uma terrível dor
perfurando todo o corpo. Thror tentava manter parada a cabeça do velho mago,
mas era difícil já que ele o mordia e atacava sempre que possível. Era como se
a razão tivesse fugido do engraçado e sarcástico dono da torre. Já com força,
ela seria trazida de volta, pois o grego conseguiu segurar a cabeça do ancião e
o mago usou o cabo da adaga, para deixar ele inconsciente. Ele tombou
imediatamente, inerte no chão.
Todos
se refaziam do ataque louco de Azerov. Richard e Hugo foram despertados por
Seton. Já Halphy ajudava Madelyne que ficou encostada contra a parede da torre
durante todo o conflito. Gor, Thror e Lacktum olhavam atentamente para o
pequeno e frágil corpo de Azerov, que segundo antes atacou todos como um
demônio que foge do Inferno. Mesmo o grego teve parte da pele do pescoço
arrancada pela unhas. Foi quando Lacktum chegou até Madelyne, e perguntou:
-O
que ocorre aqui? Que demônio se apoderou da mente e do corpo de Azerov?
-Nenhum
que eu conheça, - disse a jovem cobrindo os cortes no corpo – pois ele agiu
desse modo por conta daquele livro maldito!
Madelyne
gritou apontando em um livro aberto, com letras de diversos tipos e lugares,
além de símbolos e runas. Lacktum se aproximou até ele e perguntou novamente.
-O
que ele fez com o livro?
-Ele
só leu... Só isso - e então, a serva de Azerov se pôs a chorar.
Foi
quando todos notaram que a tristeza reinava na torre. Em todos os sentidos. As
trevas se apoderaram dos heróis.
Ninguém
vai entoar hinos de louvor a um príncipe sem reino. Nem vai glorificar o
guerreiro sagrado. Mas um dia talvez, as pessoas se tornarão tão nobres quanto
um príncipe sem coroa, mas que possuía um coração sem medo.
[1]
Eldar monar seria um líder da cultura dos elfos negros. Normalmente, as
culturas desse povo são formadas por teocracia, o que significava que seus
líderes eram sacerdotes.
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