sexta-feira, 20 de junho de 2014

(Parte 2 de Diário de Caça) 19:00 até 19:59 – Queen – Under pressure.

Pressure, pushing down on me
Pressing down on you, no man ask for
Under pressure! That burns a building down
Splits a family in two
Puts people on streets


Arrumei-me da melhor maneira possível naquela noite que iria começar a ser barulhenta mais uma vez. Já que estava voltando para casa, lembrando que estava em uma das maiores cidades do mundo. Ou a maior cidade. Ou com a maior população do mundo. Nunca soube direito. Fazer o que. Nunca fui muito boa com essas coisas de escola. Ao menos era boa o bastante para escrever. Isso vem das minhas aulas de inglês. Nisso eu era boa o bastante para lidar. Nada, além disso. Mas sabia enganar como toda a boa mulher fazia... E nenhum homem faz direito.
De qualquer modo eu precisava voltar para casa. Esquentar a comida para o meu irmão.
Iria pegar o metrô, mas fazer isso quando a noite chegava era como pedir pra ser morta, assaltada, atacada sexualmente ou algo pior. E pode ter certeza, com a quantidade de loucos que surgem nos dias de hoje, você teria medo de entrar em algum lugar como o metrô. Recomendações que até o meu patrão fazia a mim para sobreviver naquela selva de concreto.
Então, aproveitei uma brecha entre os carros estacionados. Passei por eles e comecei a pedir por um táxi.  Depois de alguns segundos, pela sorte – ou azar – consegui pegar um dos amarelinhos. Fiquei com medo, pois até os motoristas eram dos tipos mais diversos. Certa vez, tinha entrado em um ônibus, e o motorista não tirava os olhos das minhas pernas. Filha da puta. E nem sou exibida mostrando minhas pernas como uma garota oferecida qualquer. Era uma saia bem abaixo do joelho, mesmo estando no verão. Cafajestes, que não conseguem sair com mulheres e ficam fantasiando na cabeça cenas sexuais com elas.
Minha sorte é que era um indiano pelo que me lembro. Esses não têm a libido muito aflorada.
Pegando o táxi, entrei prontamente no carro com meu piloto indiano de libido baixa. Notei que logo chegaria a minha casa onde teria que preparar a comida para meu irmão mala. Comprei algumas coisas e já sabia o que iria preparar para o besta. O idiota do Sidney que mandava várias mensagens para estar em casa com a comida pronta quando chegasse. Estivesse lá onde Deus permitisse. Aliás, eu nasci e fui criada como uma protestante. Comentário rápido. Nada de mais.
Só para entender que sempre fui religiosa, mais por obrigação do que por vontade. E isso me fez uma cética por natureza. Menos mal, já que isso me tornou uma pessoa forte por natureza.
De qualquer modo, estava voltando para minha casa. Demorava meia hora com algum táxi ou ônibus para alcançar meu lar. Mais de uma hora a pé. Tirando o risco de andar a pé. Literalmente, o custo benefício de voltar sem um veículo até onde morava era extremamente perigoso. Perder minha escassa grana é algo horrível. O problema maior é quando nem dinheiro possuía. A vida nas cidades grandes se tornava perigosa. O que me faz querer morar em uma pequena cidade que um amigo me falou. Heber Village. Não é tão pequena quando uma cidade do interior, só que tem o estilo de uma em certos pontos.
Olhava pela janela do carro todas aquelas pessoas calmas e tristes muitas vezes. Vez ou outra surgia uma cena bonita. Como quando vi a mãe brincando com seu filho, com roupinha amarela contra chuva. Eu falava assim, mas era uma mera capa. Com tudo isso sendo tão simples e tão bonito, trazia a mim memórias tão dolorosas de minha mãe. Sendo assim mesmo, algo que me trazia dor, fiquei ali observando bem a dupla pulando poças de água com botas bem coloridas. Vi também amigos brigando e brincando uns com os outros, como só quem volta da escola pode fazer. Não tinha tantos amigos no meu período de colégio, então nem foi algo que me comoveu. Nem tanto se comparado ao cachorrinho que surgia todo sujo de um Opala velho e antiquado, que esqueceram em uma rua. Fazia meses que ele estava ali. Já o vi antes, quando caminhava para chegar ao serviço. Eram tão bonitos, carro e cão. E estavam ali, abandonados como se fizessem companhia um ao outro.
Só que aquela área não era formada só por bons fluidos. Passando por uma rua mais escura, que já estava bem longe do consultório, vi alguns rapazes sendo presos por porte ilegal de drogas. Malditos traficantes. Acabando com a vida de bons rapazes e moças. Se permitissem, pegaria uma arma e estouraria os miolos de qualquer um que me surgisse tentando fazer algo de errado – em especial ao meu irmão que lidava com essas coisas horríveis – e conseguisse ver. Do que adiantava isso, de qualquer jeito? Na esquina seguinte, conseguia ver um garoto de blusa pesada cinza e tênis bem claros fumando o que com certeza era um baseado. Detalhe: ele não deveria ter mais do que quinze anos, aposto. Essa juventude não nota que são eles que sustentam a criminalidade e os marginais que matam bons e honestos policiais. Isso na cidade de Nova Iorque existia e até demais.
Tínhamos como um de nossos vizinhos, um policial de maravilhosa índole. Seu nome Robert Snyder. Quando Sidney havia sido preso por alguns crimes cometidos, como furto para pagar apostas, quem nos salvou? O Tio Bob como o chamava. Lógico, tudo dentro dos limites da lei. Prender um tonto como meu irmão era algo comum entre os policiais de onde morávamos. De qualquer modo era maravilhoso ter alguém com quem poderíamos contar. Não ficar falando e tagarelando como eu sempre fazia antigamente.
De qualquer forma cheguei à minha casa. Fui descendo do veículo amarelado, porém, tirei de um bolinho de notas sujas e surradas o que deveria ser o pagamento da viagem. Ele deve ter agradecido muito por isso, já que começou a falar algumas coisas que não pareciam ser grosseria. Entretanto, qualquer coisa que um estrangeiro fale ainda me parece alguma grosseria e xingamento. Vai se entender... Talvez tenha sido o convívio com os porto riquenhos que surgem pela cidade.
Finalmente, casa! Lugar maravilhoso, pelo menos para mim. Nos últimos dias, meu irmãozinho havia se tornado um tanto chato com relação a nossa casa. Engraçado, visto que foi ele quem encontrou o lugar para nós. Graças é lógico, a uma ajudinha do doutor Fitzgerald, meu anjo da guarda pessoal. O meu irmão falava que ele na verdade tinha alguma tara por mim. Só que nunca vi nada de mais. Ele não ficava me fitando como um daqueles tarados das ruas. Muito menos comprava coisas para mim. Ajudar sim, mas nunca ultrapassava essa linha. Por isso considerava ele como um segundo irmão mais velho. Quase um pai. Nunca iria falar isso a ele, pois... Bem, ele era muito novo para ser pai. Pelo menos fisicamente.
Ele era bonito, mas mais por natureza do que por se cuidar. Não fazia bem a barba e tirando o consultório, dificilmente se vestia bem. Era alguém bem simples em tudo. Sim, eu olhava para ele, oras. Esqueçam o que acabei de escrever, ok?
De qualquer forma estava ali na minha casa. Coisa simples no Queens, com estilo de madeira antiga. Bem conservada por mim. Já que eu passava sempre produtos e vernizes no final de semana para manter a casa inteira. Acabava com meu tempo livre, mas fazia a casa brilhar e ficar inteira. Mais uma das coisas da lista de coisas que eu tinha que fazer para nos manter em pé. Literalmente.
Entrei como um furacão pela varanda, abri a porta de casa, girei em direção a sala e deitei no meu sofá menor. Pode ser pequeno entre os dois que tínhamos, mas era mais confortável. Nessas poucas vezes, me lembrava de que meu irmão deveria estar ali em casa, com fome. Sempre quando chegava das apostas, voltava com fome. Perdendo, chutava as latas de lixo por toda a cidade, até em casa. Ganhando, gastava todo o dinheiro que recebeu da premiação em bebidas e mulheres. Sentia falta de quando meu irmão pulava em cima de mima para brincar, não por estar mal depois das porcarias de apostas.
Na verdade ele fazia esses jogos no Hipódromo Aqueduct, e conhecia os homens que lidavam com dinheiro nessas apostas muito bem. Em especial, alguém que ele conseguiu conhecer antes de ficar nessa onda autodestrutiva. Japoneses, e seu líder era o empresário Hiro Mishima. Eu sempre tive medo que eu encontrasse meu irmão em um saco de lixo, ou até mesmo, que afundasse bem no fundo do rio East. Histórias contavam que ele era um yakuza de grande poder dentro de sua família. Outras histórias diziam que ele na verdade nem mais pertencia a alguma das famílias, participava de algo maior. A pior falava que na verdade ele era um dragão na forma de um homem. Dessa eu ria muito. Bando de medrosos. Como diria o Batman, enquanto houver medo e superstição no coração dos ladrões haverá uma esperança. Babaquice não é? Mas prefiro assim. Hoje eu sei que era pior. Desgraçado.
Deitei por alguns minutos. Como disse antes, demora cerca de meia hora para chegarmos de carro em casa. E o táxi conseguiu pegar uma rota bem livre até. Lembrando que falávamos de uma das maiores cidades do mundo. Peguei com o pé um dos CDs que estavam sobre a mesa. Tirei-o da capa e comecei a escutar. E me fez saltar e cantar. Mesmo exausta.

There was a friend of mine on murder
And the judge's gavel fell
Jury found him guilty
Gave him sixteen years in Hell
He said, I ain't spending my life here
I ain't living alone
Ain't breaking no rocks on the chain gang
I'm breakin' out and headin' home

     E eu já cantava os refrões “Gonna make a jailbreak” enquanto pulava e dançava. Não como aquelas vedetes ridículas de show de rock. Era mais gostosa. Ridículo eu sei. Mas era como eu aproveitava minhas noites de descanso. O final de semana estava chegando. E veria o meu lindo namorado. Qual não foi minha surpresa quando o telefone de casa e escuto a voz dele. Estava ainda no serviço pelo jeito. Algo em que tinha trabalhado mesmo a noite, pois era um bom dinheiro e era para prefeitura. Mesmo assim sentia sua voz cansada. Como queria estar com ele.
     -Olá quem fala? – perguntei cheia de sarcasmo.
     -Você sabe que sou eu Sel – falou se referindo ao apelido carinhoso que me deu.
     -Sel? Não conheço nenhuma moça que tenha esse nome aqui – continuei.
     -Esta bem. Então Vou desligar...
     -Fala seu bobo!
     Ele riu por ter visto que a chantagem deu certo. Como gostava dessas pequenas conversas. Se você possui alguém com quem possa fazer isso, aproveite. Você nunca saberá quando isso poderá ser retirado de você. Não falo isso por me achar dona da verdade. Só conhecimento de causa.
     -Tudo bem amor?
     -Tudo meu anjo. Esta no serviço?
     -Sim, mas fugi um pouco do canteiro de obras.
     -Coisa feia. Matando trabalho para falar com as suas namoradas.
     -Plural? Eu era bom de cama e não sabia? Tenho dupla personalidade? Sel você tem que me falar essas…
     -Ah cala boca seu tonto! Você é um doce...
     -Desde que derreta em sua boca.
     Mordi os lábios. Nem preciso falar o motive. Apesar de não o querer só em minha boca, confesso que era... Digamos, nem grande, nem curto, mas fazia bem o trabalho quando exigido. Mas se fosse para fazer aquele homem gemer de prazer como eu com ele, fazíamos sexo oral facilmente. Homens pensam mais no próprio prazer e Lankford não era diferente. Nem ligava. Homem como aquele era raro. E com um pau daqueles também.
     Deve estar pensando, como ela é tarada. Grande merda. Estou escrevendo minhas memórias. Lembro de cada detalhe como se fosse hoje. Talvez para manter uma faísca de vida nesses olhos já cansados. Eu agora sei como um professor se sente, exausto depois de uma vida trabalhando – mesmo quando se mexe com isso alguns anos – pois faço isso há vinte anos. Gosta de lembrar-se dos tempos melhores e mais calmos. Quando poderia até mesmo pensar no seu prazer como se fosse eterno.
     Nada é eterno. Nem mesmo isso.
     -Eu iria falar que vou levar as cervejas depois do trabalho e dormimos juntos. Levo um filme. Que tal
     -Tudo bem por mim. Que não seja um de terror, esta bem?
     -Ainda esta com medo desde que viu aquele filme?
     -Lógico! Era horrível!
     -Esta bem. Tentarei levar um de comédia. Só que tem que ser bom. E que não será com Adam Sandler. Já me cansei daquele cara.
     -Esta bem. Pois saiba que um dia ele vai ser um grande ator.
     -Se for quando ele deixar de fazer filmes de segunda. Acho que ele só vai fazer pontinhas em produções.
     -Esta bem. Vai trabalhar ou o seu patrão vai te despedir.
     -Tudo bem, antes... Tenho que te falar...
     Ele parou um pouco antes de continuar. Eu sabia que tinha algo para me falar. Era uma mania que só eu entendia. Ainda tinha algo a me falar.
     -Fale – soltei como um inquisidor espanhol.
     -Eu vi seu irmão... No território do Hiro. Estava com dinheiro.
     Nesse mesmo instante saltei do sofá. Ele foi lá. Mesmo eu falando tantas vezes. Repetidas vezes disse, não vá mais atrás daqueles caras. E o que ele me faz? Vai assim mesmo. Havia vezes que eu pensava que não era a mais nova dos dois. Algumas vezes até achava que era a mãe. Nunca entendi como a cabeça daquele idiota funcionava. Nem me interessava. Desde que ele voltasse vivo depois. Para eu acabar com ele.
     -Estou indo John.
     -Amor...
     -A gente se vê mais tarde. Eu prometo.
     Peguei um casaco o mais rápido que pude. Nem lembro como era, mas depois notei que era cinza. Um antigo que não conseguia me livrar e sempre gostei. Acho que era da minha mãe. Parecia que me dava forças. Precisaria delas agora. Quando meu irmão se metia em enrascadas, era federal.
     Antes de sair, peguei o telefone do tio Bob. Rezei para que estivesse em serviço. Já que da última vez em que Sidney esteve no território de Hiro, foi jurado de morte. Idiota, idiota, idiota! Deus! Como acabamos sendo irmãos? Irmã do cara mais idiota do mundo? Juro que não sei como. Posso não ser um Einstein, mas juro que teria mais inteligência do que aquele pedaço de carne mal gerado.
     Pedi desculpas ao meu pai e minha mãe mentalmente.
     Tio Bob não estava. Pelo menos não na delegacia. Liguei então para a casa. Atenderam. Era sua mulher. Ela nunca foi com a minha cara.
     -O que foi? – disse a voz de Elisabeth, a mulher de tio Bob. Cheia de raiva.
     -Estou procurando o policial Snyder. Meu irmão Sidney Queen...
     -Ah! Você é a Queen? A filha da puta que retira meu marido da cama pra arrumar as merdas que seu irmão faz? Aquele vagabundo...
     -Ele não esta pelo jeito – falei rápido.
     -Como sabe?
     -Se não ele teria tirado o telefone da sua mão piranha mal comida!
     Em seguida desliguei rapidamente na cara dela. Bob entenderia. Certa vez me disse que tinha uma amante e só não se separava da mulher por conta dos filhos. Só nunca entendi como ele fez cinco filhos naquele ser do outro mundo. Bem, vai se entender.
     Peguei minhas chaves, minha bolsa e uma faca de cozinha. Aquela que fosse mais afiada. Sabe como é ainda não entendia muitas coisas. Um dos meus primeiros ensinamentos de caça foi: não é a arma que faz o estrago. É até onde você a enfia no corpo do desgraçado que você esta tentando matar.
     Coloquei-a no casaco e fui correndo fechando minha casa as pressas. Eu nunca imaginei que ao girar aquela chave na maçaneta nunca mais a veria. Na verdade, não como antes. Hoje em dia a vejo sendo de um casal que deve dois filhos. Essa não é uma história em que no final estarei morta camarada. É onde mostrarei que o mundo esta indo pro buraco e nos dois estaremos nele. Sim, eu e você.
     Peguei e comecei a correr para onde era o território do Hiro. Dessa vez, peguei um táxi. Era um dos tarados... Droga.
     Antes de entrar estava com a nítida impressão que um desgraçado lá de fora ficava me olhando com um casaco pesado e grande. Que cobria muito bem o rosto. Se fosse o tipo que imaginava seria pior que um tarado. Ignorei, pois já tinha muita coisa na cabeça. E já tinha que me preocupar com os olhos do veado que dirigia o táxi. Pensei em usar minha faca.
     Antes de ir, parecia que do casaco do estranho eu vi a ponta de uma faca. Nem sabia eu que era um facão. Ele entrou em um carro. Ele me seguiria, mas eu não sabia.

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